sábado, 3 de novembro de 2012

O Império Asiático Português, 1500-1700. Uma história política e económica. Sanjay Subrahmanyam. «Assim, em 1250, o reino, a pátria dos Portugueses, estava mais ou menos definido na sua unidade. Mas que espécie de reino era este, à data em que foi governado por Afonso III (r. 1246-79), o monarca que reinava na época?»

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O Estado e a Sociedade Portuguesa, 1200-1500
Coroa e Nobreza
«A união em torno de Afonso Henriques, que adquiriu importância após derrotar as forças da sua mãe D. Teresa e os seus aliados de Leão em Julho de 1128, consistiu então num complexo de processos. Primeiro, havia a vaga demográfica do século XII, que alterou o equilíbrio dos recursos económicos no próprio interior de Portugal, a favor das regiões nortenhas do interior a partir das quais operava. Segundo, Afonso Henriques teve que mobilizar e ligar-se a uma nobreza recentemente redefinida, permitindo simultaneamente que esta mantivesse algumas prerrogativas militares e judiciais. Esta nobreza tinha de ser mobilizada em termos de uma nova ideologia ‘nacionalista’; assim, havia por um lado que prosseguir a empresa de cruzada para Sul, contra os guerreiros al-murabitin (Almorávidas) que controlavam agora Coimbra e outras cidades do Sul, enquanto que ao mesmo tempo Afonso Henriques tinha que se distanciar da sua relação problemática com Leão, onde reinava o seu primo Afonso VII. A primeira tarefa foi em larga medida alcançada em 1147, com a conquista de Santarém, Lisboa e Sintra; do mesmo modo, a última foi conseguida quando em 1139-40 Afonso Henriques começou a intitular-se a si próprio rex em vez de dux.
Os ecos das duas características que definiram Portugal à nascença, em primeiro lugar a luta contra os Mouros, em segundo a necessidade de distinguir Portugal dos seus vizinhos de Leste na Península Ibérica, ouvir-se-ão muito mais tarde ao longo da história do país. Por volta de 1250, os Árabes e Berberes tinham de facto sido expulsos dos territórios portugueses com a conquista do Algarve, selando deste modo os processos do meio século que se seguiu à morte de Afonso Henriques (1185), quando grande parte do Alentejo caiu nas mãos dos seus herdeiros.
Assim, em 1250, o reino, a pátria dos Portugueses, estava mais ou menos definido na sua unidade. Mas que espécie de reino era este, à data em que foi governado por Afonso III (r. 1246-79), o monarca que reinava na época?
Se por um lado Portugal era um território compacto e relativamente bem definido, a sociedade portuguesa estava do mesmo modo profundamente dividida. Podemos distinguir três regiões de entre os territórios governados por Afonso Henriques.
A norte do Douro, e especialmente na região de Entre-Douro e Minho, a estrutura social era dominada pela nobreza tradicional, enraizada localmente numa estrutura tipicamente senhorial. Mais a sul, entre o Douro e o Tejo, o poder da nobreza decrescia, em parte porque a região havia sido longamente disputada por muçulmanos e cristãos, não tendo nenhuma das partes conseguido estabelecer uma estrutura de domínio firmemente enraizada. Consequentemente, os concelhos, estruturas comunais de médios e grandes proprietários camponeses, conseguiam de facto controlar aqui os acontecimentos, elegendo os seus próprios magistrados, com títulos arabizados como alcaides e almotacés. Ainda mais a sul, o intenso grau de militarização que acompanhou a Reconquista permitiu a entrega de um volume desproporcionado de poder à nobreza, por um lado, e às Ordens Militares, por outro.
Neste último caso, a primeira a estabelecer-se de raiz em Portugal foi a Ordem de Cristo, criada pelo monarca Dinis, o sucessor de Afonso III, a partir das terras que haviam pertencido aos Templários, que estava em grande parte estabelecida no norte da região da Estremadura, ao longo do vale do Tejo e dos seus afluentes o Zêzere e o Nabão, tendo a sua sede em Tomar. Esta Ordem detinha, no século XV, o controlo de 21 cidades e vilas, sobretudo na região acima mencionada. A sul, na região de Évora, ficavam os territórios associados à Ordem de Avis, inicialmente o braço português da Ordem espanhola de Calatrava, mas da qual se separou em 1377. Quanto a Lisboa, era defendida pela Ordem de Santiago, do seu quartel-general em Palmela. Esta última Ordem tornou-se senhora de vastos domínios no extremo sul de Portugal, controlando algo como um terço da região a sul do Tejo.
Pela sua parte, a nobreza, para além de obter poder e legitimidade através da filiação nas Ordens Militares, tendia igualmente a guardar os seus privilégios. No escalão mais elevado da nobreza do século XIV estavam os chamados ricos-homens, e no mais baixo os cavaleiros; a um nível intermédio estavam os infanções. As grandes famílias nobres provinham geralmente de Entre-Douro e Minho, a região de origem de Afonso Henriques, que é ainda hoje provavelmente o coração do mais profundo nacionalismo português. Porém, os seus privilégios vinham a ser cada vez mais ameaçados desde o tempo em que se completou a Reconquista; o facto de Afonso III ter chamado em 1253 a reunião dos três Estados (as Cortes), onde pela primeira vez esteve representada a ‘plebe’, é por si só sugestivo. A assembleia, reunida em 1253 em Leiria, foi repetida em 1258 pelo rei Dinis, desta vez em Lisboa». In Sanjay Subrahmanyam, O Império Asiático Português, 1500-1700, Uma História Política e Económica, Difel, Memória e Sociedade, 1995, Fundação Oriente, ISBN 972-29-0328-4.

Cortesia da Difel/JDACT