sexta-feira, 6 de setembro de 2019

A Catedral de Lamego. Séculos XII a XX. Anísio Sousa Saraiva. «Sem abonação que nos permita conhecer em que se baseou, M. Gonçalves Costa refere Domingos como primeiro arcediago à frente de Lamego, entre 1089 e 1099, a quem se seguiu, nesse último ano, um outro arcediago, de nome Erro»

Cortesia de wikipedia e jdact

Espaço. Poder. Memória
Construir e Organizar
A dependência face a Coimbra
«(…) Segundo M. Gonçalves da Costa, seria este o embrião do futuro cabido catedralício, o que parece muito provável, dado que S. Sebastião foi, efectivamente, o primeiro orago da catedral lamecense, antes de ser construído o edifício dedicado a Santa Maria. Afirma que, à frente desta comunidade, estaria um arcediago ou prior, que governava a diocese nomeado por Coimbra. Discordamos desta afirmação; como vimos, estes dignitários tinham diferentes funções e naturezas; à frente de uma comunidade canonical está um prior ou um deão, não um arcediago (note-se que, no entanto, o exercício das duas funções podia estar ligado a uma mesma pessoa, como sucedia, no caso português, na Sé de Braga, cujo deão era também, por via de regra, o arcediago do  Couto; também em Castela são vários os exemplos de acumulação das duas funções). Todos os dados que encontrámos apontam para que o governo de Lamego fosse feito por um arcediago, o que significa, a nosso ver, que, e ao contrário do que se passava em Viseu, não seria aquele que presidia ao cabido, o prior, a pessoa que estaria encarregada de administrar a diocese sob as ordens de Coimbra. Vejamos os elementos que conseguimos obter a partir das fontes compulsadas, e sabendo que mais seria preciso analisar, a começar pelos valiosíssimos manuscritos deixados por frei Joaquim Santa Rosa Viterbo, hoje depositados na Biblioteca Municipal de Viseu, que contêm a cópia de múltiplos documentos por ele examinados e que mais tarde se perderam no incêndio que, no século XIX, destruiu o seminário dessa cidade.
Sem abonação que nos permita conhecer em que se baseou, M. Gonçalves Costa refere Domingos como primeiro arcediago à frente de Lamego, entre 1089 e 1099, a quem se seguiu, nesse último ano, um outro arcediago, de nome Ero. De facto, em doação ao mosteiro de Anreade (c. Resende) de 3 de Setembro de 1099, a corroboração é feita per jussionem, isto é, por ordem de Ero, arcediago da Sé de Lamego, que volta a surgir em venda concretizada dois anos mais tarde, em 1101, e cujo período de actuação M. Gonçalves Costa estende até 1108. Este mesmo autor cita, depois, um Martinho, que o teria substituído nesse mesmo ano, mas que designa-se como prior, remetendo para um documento do mosteiro de S. João de Pendorada. Não refere o arcediago David que, em 1119, confirma uma doação a favor do mosteiro de Arouca. Finalmente, como último arcediago conhecido, temos o já mencionado Mónio, em 1128. Estes arcediagos seriam os agentes da autoridade do bispo de Coimbra. Se faziam ou não parte da formação canonical lamecense, ignoramos. Não seriam, decerto, os seus líderes. Um arcediago, repetimos, não é um prior, e as funções de ambos não se confundem (pese embora o que acima dissemos sobre a possibilidade de acumulação dos dois ofícios, os cargos em si mantêm-se diferentes; há que ter em conta que, pelo menos em dois períodos da história da diocese de Coimbra, em caso de ausência do bispo, quem ficou a governar a diocese foram arcediagos, e não os priores ou deões do cabido: um desses episódios, já referido, foi protagonizado pelo arcediago Telo, em 1128, na vacância que se seguiu à morte do bispo Gonçalo; outro coincidiu com a deposição do bispo João Anaia, em 1155, tendo ficado à frente da diocese o arcediago Domingos; estes exemplos apontam para que fosse tradição em Coimbra entregar a administração diocesana a arcediagos, sendo a diferente situação vivida em Viseu devida, provavelmente, ao desenvolvimento entretanto alcançado pelo cabido dessa catedral, que levava a que o seu prior fosse o representante na diocese da autoridade episcopal de Coimbra) O cabido de Lamego teria nesta altura priores, cujos nomes, infelizmente, não conhecemos, a não ser o de um Suintila, que M. Gonçalves Costa cita a partir de documento visto por Viterbo, que apresenta, contudo, uma série de elementos que o tornam de autenticidade e data duvidosa (de facto, o autor refere um documento que data de 1087 onde são apresentados como bispos Paio Braga e Sesnando Porto, que não exerciam então tais cargos, assim como Odório na qualidade de prior de Viseu, o que não terá sucedido antes de 1119); e o de Paio, em Novembro de 1145, referido em diploma copiado no Livro das Doações de S. João de Tarouca. Se, em Viseu, a autoridade para presidir à administração do bispado era delegada nos priores do cabido, em Lamego a realidade que transparece dos lacunares documentos subsistentes apontam para que a ligação entre as duas dioceses tivesse sido feita através de arcediagos». In Anísio Sousa Saraiva, Coordenação, Espaço, Poder, Memória, Faculdade de Teologia, Centro de Estudos de História Religiosa, Universidade Católica Portuguesa, Fundação para a Ciência e a Tecnologia, 2013, ISBN 978-972-836-157-0.

Cortesia de CEHR/UCP/FCT/JDACT