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de wikipedia e jdact
A
Casa Branca Nau Preta
«(…)
Na vidraça aberta,
fronteira ao ângulo com que o meu olhar a colhe
A
casa branca distante onde mora... Fecho o olhar...
E os meus
olhos fitos na casa branca sem a ver
São outros
olhos vendo sem estar fitos nela a nau que se afasta.
E eu,
parado, mole, adormecido,
Tenho
o mar embalando-me e sofro...
Aos
próprios palácios distantes a nau que penso não leva.
As escadas
dando sobre o mar inatingível ela não alberga.
Aos
jardins maravilhosos nas ilhas inexplícitas não deixa.
Tudo perde
o sentido com que o abrigo em meu pórtico
E
o mar entra por os meus olhos o pórtico cessando.
Caia a
noite, não caia a noite, que importa a candeia
Por
acender nas casas que não vejo na encosta e eu lá?
Húmida
sombra nos sons do tanque nocturna sem lua, as rãs rangem,
Coaxar
tarde no vale, porque tudo é vale onde o som dói.
Milagre do
aparecimento da Senhora das Angústias aos loucos,
Maravilha
do enegrecimento do punhal tirado para os actos,
Os olhos
fechados, a cabeça pendida contra a coluna certa,
E
o mundo para além dos vitrais paisagem sem ruínas...
A casa
branca nau preta...
Felicidade
na Austrália...»
Acaso
«No
acaso da rua o acaso da rapariga loira.
Mas não,
não é aquela.
A outra
era noutra rua, noutra cidade, e eu era outro.
Perco-me
subitamente da visão imediata,
Estou
outra vez na outra cidade, na outra rua,
E
a outra rapariga passa.
Que grande
vantagem o recordar intransigentemente!
Agora
tenho pena de nunca mais ter visto a outra rapariga,
E
tenho pena de afinal nem sequer ter olhado para esta».
[…]
In
Fernando Pessoa, Poemas Completos de Álvaro de Campos, Tinta da China,
2014, ISBN 978-989-671-232-7.
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