segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

A 25ª Hora. Virgil Gheorghiu.«O padre lhe desejou boa sorte. Lamentava sua partida. Iohann Moritz era jovem, bom trabalhador. Apesar de pobre, era generoso e honesto»

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«(…) Iohann Moritz despejou água nas mãos do padre. Observava os dedos daquelas mãos, compridos e fusiformes, dedos de mulher de pele branca. Observava com prazer o velho fazer espuma na barba, no pescoço, na testa. De tanto admirá-lo, esquecia-se de despejar a água. O padre aguardava, estendendo as mãos cobertas de espuma. E Moritz sentia-se culpado e ruborizava. O padre Koruga era o pope da aldeia. Tinha apenas cinquenta anos, mas a sua barba e cabelo já eram brancos feito prata. Seu corpo comprido, esguio, descarnado, lembrava o dos santos que vemos nos ícones das igrejas ortodoxas. Um autêntico corpo de ancião. Porém, encontrando seu olhar, ouvindo-o falar, percebia-se que era um homem mais jovem. Assim que acabou de se lavar, o padre enxugou o rosto e o pescoço numa toalha grossa. Moritz continuava em pé, com a cumbuca na mão, à sua frente. Eu gostaria de conversar com o senhor, meu padre, disse ele. Espere eu me vestir, respondeu o padre. E, pegando de volta a cumbuca das mãos de Iohann Moritz, entrou em casa. À soleira da porta, virou-se. Também tenho um assunto para conversar consigo, disse, sorrindo. Vai gostar. Enquanto isso, coloque os cestos na carroça e atrele.

A manhã inteira, Iohann Moritz e o padre Koruga colheram maçãs e encheram cestos. Trabalhavam em silêncio. Quando o sol dardejou seus ombros, o padre parou e estendeu os braços, cansado. Descansemos um pouco! Descansemos, concordou Moritz. Dirigiram-se até os sacos cheios de maçãs e sentaram-se em cima deles. Mantinham-se calados. O padre procurou nos bolsos o maço de cigarros que sempre levava para os dois e o estendeu para Moritz. Queria conversar?, inquiriu o padre. Sim, queria. Moritz acendeu o cigarro. Jogou o fósforo na relva e observou-o apagar-se. Era difícil para ele comunicar sua partida ao padre. Preferiria esperar um pouco mais. Primeiro, quero lhe dar a minha notícia, disse o padre. Moritz ficou contente por não ter de falar primeiro.

O quartinho junto à cozinha está vago, informou o padre, e me perguntei se não gostaria de se mudar para lá. Minha mulher acabou de caiar e colocou cortinas nas janelas e roupa de cama limpa. Sua casa é muito apertada. Você e seus pais possuem apenas um quarto. Amanhã, quando vier trabalhar, traga suas coisas. Não virei amanhã. Então, depois de amanhã, disse o padre. A partir de hoje o quarto é seu. Não virei nunca mais, disse Moritz. Amanhã viajo para os Estados Unidos. Amanhã?, O padre esbugalhou os olhos. Amanhã bem cedo. A voz de Moritz era firme, embora velada pelo remorso. Recebi uma carta, o navio está em Constança, só tenho três dias. O padre sabia perfeitamente que Moritz queria ir para os Estados Unidos. Muitos jovens camponeses partiam para lá e, dois, três anos depois voltavam com dinheiro e compravam terras e as casas mais bonitas da aldeia. O padre estava contente por Moritz. Em poucos anos, ele também teria belas terras. Mas surpreendia-se com a premência da viagem. Moritz jamais tocara no assunto com ele, e eles haviam trabalhado o tempo todo lado a lado, diariamente. Só ontem recebi a carta, disse Moritz. Vai sozinho? Com Ghitza Ion. No navio, trabalharemos como operários. Trabalharemos nas caldeiras, assim não precisaremos pagar quinhentos lei por pessoa. Ghitza tem um amigo em Constança que trabalha no porto e providenciou tudo.

O padre lhe desejou boa sorte. Lamentava sua partida. Iohann Moritz era jovem, bom trabalhador. Apesar de pobre, era generoso e honesto. Não possuía um alqueire de terra. Os dois homens trabalhavam de sol a sol. O velho falava dos Estados Unidos. Moritz escutava. Em diversas ocasiões, suspirou. Agora estava quase arrependido de sua decisão. À noite, depois de receber seu salário, Moritz permaneceu de olhos baixos diante do padre. Conservou-se assim ainda por um momento. Não tinha forças para ir embora. O velho deu-lhe um conforto no ombro. Escreva-me assim que chegar, pediu. Amanhã de manhã, passe para pegar o farnel que prometi. Terá o que comer durante a viagem. Ainda lhe deu cinco cédulas de cem lei e prosseguiu: chegue bem cedo. Bata discretamente na janela. É preferível que minha mulher não ouça; mulheres costumam ser avarentas, você sabe. Deixarei tudo preparado hoje à noite. Quando pretende partir? Devo encontrar Ghitza Ion na saída da aldeia, ao amanhecer. Justo o tempo de passar lá em casa. Caso contrário, eu lhe diria para vir esta noite. Prefiro amanhã, disse Iohann Moritz. Imaginava que Suzanna o esperaria naquela noite. Em seguida, partiu». In Virgil Gheorghiu, A 25ª Hora, 1949, Bertrand Editora, ISBN 000 […] W16.

Cortesia  de BertrandE/JDACT

JDACT, Virgil Gheorghiu, Grécia, Guerra,