«(…) Iohann Moritz despejou água nas mãos do padre. Observava os dedos daquelas mãos, compridos e fusiformes, dedos de mulher de pele branca. Observava com prazer o velho fazer espuma na barba, no pescoço, na testa. De tanto admirá-lo, esquecia-se de despejar a água. O padre aguardava, estendendo as mãos cobertas de espuma. E Moritz sentia-se culpado e ruborizava. O padre Koruga era o pope da aldeia. Tinha apenas cinquenta anos, mas a sua barba e cabelo já eram brancos feito prata. Seu corpo comprido, esguio, descarnado, lembrava o dos santos que vemos nos ícones das igrejas ortodoxas. Um autêntico corpo de ancião. Porém, encontrando seu olhar, ouvindo-o falar, percebia-se que era um homem mais jovem. Assim que acabou de se lavar, o padre enxugou o rosto e o pescoço numa toalha grossa. Moritz continuava em pé, com a cumbuca na mão, à sua frente. Eu gostaria de conversar com o senhor, meu padre, disse ele. Espere eu me vestir, respondeu o padre. E, pegando de volta a cumbuca das mãos de Iohann Moritz, entrou em casa. À soleira da porta, virou-se. Também tenho um assunto para conversar consigo, disse, sorrindo. Vai gostar. Enquanto isso, coloque os cestos na carroça e atrele.
A manhã inteira, Iohann Moritz e
o padre Koruga colheram maçãs e encheram cestos. Trabalhavam em silêncio.
Quando o sol dardejou seus ombros, o padre parou e estendeu os braços, cansado.
Descansemos um pouco! Descansemos, concordou Moritz. Dirigiram-se até os sacos
cheios de maçãs e sentaram-se em cima deles. Mantinham-se calados. O padre
procurou nos bolsos o maço de cigarros que sempre levava para os dois e o
estendeu para Moritz. Queria conversar?, inquiriu o padre. Sim, queria. Moritz
acendeu o cigarro. Jogou o fósforo na relva e observou-o apagar-se. Era difícil
para ele comunicar sua partida ao padre. Preferiria esperar um pouco mais. Primeiro,
quero lhe dar a minha notícia, disse o padre. Moritz ficou contente por não ter
de falar primeiro.
O quartinho junto à cozinha está
vago, informou o padre, e me perguntei se não gostaria de se mudar para lá. Minha
mulher acabou de caiar e colocou cortinas nas janelas e roupa de cama limpa.
Sua casa é muito apertada. Você e seus pais possuem apenas um quarto. Amanhã,
quando vier trabalhar, traga suas coisas. Não virei amanhã. Então, depois de
amanhã, disse o padre. A partir de hoje o quarto é seu. Não virei nunca mais,
disse Moritz. Amanhã viajo para os Estados Unidos. Amanhã?, O padre esbugalhou
os olhos. Amanhã bem cedo. A voz de Moritz era firme, embora velada pelo
remorso. Recebi uma carta, o navio está em Constança, só tenho três dias. O
padre sabia perfeitamente que Moritz queria ir para os Estados Unidos. Muitos
jovens camponeses partiam para lá e, dois, três anos depois voltavam com
dinheiro e compravam terras e as casas mais bonitas da aldeia. O padre estava
contente por Moritz. Em poucos anos, ele também teria belas terras. Mas
surpreendia-se com a premência da viagem. Moritz jamais tocara no assunto com
ele, e eles haviam trabalhado o tempo todo lado a lado, diariamente. Só ontem
recebi a carta, disse Moritz. Vai sozinho? Com Ghitza Ion. No navio,
trabalharemos como operários. Trabalharemos nas caldeiras, assim não
precisaremos pagar quinhentos lei por pessoa. Ghitza tem um amigo em Constança
que trabalha no porto e providenciou tudo.
O padre lhe desejou boa sorte.
Lamentava sua partida. Iohann Moritz era jovem, bom trabalhador. Apesar de
pobre, era generoso e honesto. Não possuía um alqueire de terra. Os dois homens
trabalhavam de sol a sol. O velho falava dos Estados Unidos. Moritz escutava.
Em diversas ocasiões, suspirou. Agora estava quase arrependido de sua decisão. À
noite, depois de receber seu salário, Moritz permaneceu de olhos baixos diante
do padre. Conservou-se assim ainda por um momento. Não tinha forças para ir
embora. O velho deu-lhe um conforto no ombro. Escreva-me assim que chegar,
pediu. Amanhã de manhã, passe para pegar o farnel que prometi. Terá o que comer
durante a viagem. Ainda lhe deu cinco cédulas de cem lei e prosseguiu: chegue
bem cedo. Bata discretamente na janela. É preferível que minha mulher não ouça;
mulheres costumam ser avarentas, você sabe. Deixarei tudo preparado hoje à
noite. Quando pretende partir? Devo encontrar Ghitza Ion na saída da aldeia, ao
amanhecer. Justo o tempo de passar lá em casa. Caso contrário, eu lhe diria
para vir esta noite. Prefiro amanhã, disse Iohann Moritz. Imaginava que Suzanna
o esperaria naquela noite. Em seguida, partiu». In Virgil Gheorghiu, A 25ª Hora,
1949, Bertrand Editora, ISBN 000 […] W16.
Cortesia de BertrandE/JDACT
JDACT, Virgil Gheorghiu, Grécia, Guerra,