Cambridge, Inglaterra
«(…) O outro respondeu sem
hesitação: ele é um intelectual. Digamos que será tutor de sua filha. Tutor de
Anne? Marbury tossiu. Mas ela é adulta, 20 anos. Já bem passada de tutela. Solteira.
A palavra única fora feita de chumbo. E imagina-se uma filósofa religiosa. O
primeiro impulso do ministro foi perguntar como aquele homem saberia alguma coisa
sobre Anne, mas achou melhor não perguntar nada. E filha do pai. O tom nem de
longe era de desculpas. E não aceitará tutor. Deram-nos a entender que ela se
interessa pelos costumes da cultura grega, além de Teologia. Marbury deu um
suspiro. Decerto aqueles homenzinhos saberiam das tendências religiosas da
moça. Ela as expressara com bastante frequência em público. Talvez se interesse
por uma coisa dessas, reconheceu. Talvez o senhor devesse insistir. Samuel não
se mexeu. Esse homem que o senhor descobriu sabe alguma coisa sobre o trabalho de nossos tradutores?,
perguntou o pastor, elevando a voz. Porque isso é tão importante para o senhor?,
perguntou Isaiah, igualando o volume. Anne tem um interesse agudo por tradução.
O ministro não podia tornar a falar mais alto. Se esse homem pudesse saber um
pouco sobre a obra, isso talvez ajudasse a fazê-la aceitá-lo mais depressa. Ele
sabe o que saberia qualquer pessoa na posição dele, cortou o outro. O rei James
reuniu uma equipa de cerca de cinquenta e quatro intelectuais. Oito moram com o
senhor em Cambridge. Só restam cinquenta e três agora, lembrou Isaiah. O
importante, prosseguiu Samuel, mais irritado, é que estão traduzindo a Bíblia a
partir de fontes originais.
O conhecimento de grego do nosso homem é o que interessa tanto em relação à
tradução quanto à sua filha. Pois muitos dos originais estão em grego...
Um pouco de conhecimento, interrompeu-o
Marbury, na esperança de cortar outra discussão, não enganará nossos homens de
Cambridge nem convencerá Anne... Ele é um intelectual superior, explodiu o
outro. O pastor ouviu a ameaça nessas palavras. Combateu o impulso de cortar a discussão
e deixar o quarto o mais rapidamente possível, percebendo que devia ter cuidado
com aqueles homens. Melhor seguir adiante com os planos deles, mas acautelar-se
para não confiar em tudo. Formulou, e abandonou, várias perguntas antes de
decidir-se pelas mais básicas. Como, então, vou encontrá-lo? Curvou-se para a
frente, disposto a sair. Vai chegar amanhã de manhã e apresentar-se ao senhor
no diaconato. Samuel moveu uma resma de papel amarrada com barbante de
açougueiro em direcção ao pastor. Por qual nome devo chamá-lo? Irmão Timon. A
voz do outro pareceu rouca por um momento. O ministro notou que Daniel, que não
falara, tremeu durante um breve instante. Quem lhe deu esse nome?, quis saber,
sem evitar uma fracção de diversão nas suas palavras.
Os
três homens entreolharam-se, obviamente sem resposta para a pergunta. Só
pergunto porque acho o nome interessante. E, os senhores entendem, de uma peça
que conheço. O nome de uma personagem que odeia todo mundo..., porque os homens
foram ingratos com as suas boas obras. Os três permaneceram calados. Muito bem.
Marbury levantou-se e puxou a capa em volta do corpo, apalpando em busca do
cabo da adaga escondida. Que seja Timon.
Espero encontrá-lo. Sem outra sílaba, dirigiu-se à porta, mal dando as
costas aos três vultos. Tinha os ouvidos sintonizados para captar o menor sinal
de movimento deles ao deslizar para fora». In Phillip Depoy, A Conspiração do rei
James, Prumo, 2009, ISBN 978-857-927-022-2.
Cortesia de Prumo/JDACT
JDACT, Phillip Depoy, Literatura,