segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

A Conspiração do rei James. Phillip Depoy. «Talvez o senhor devesse insistir. Samuel não se mexeu. Esse homem que o senhor descobriu sabe alguma coisa sobre o trabalho de nossos tradutores?»

jdact e wikipedia

Cambridge, Inglaterra

«(…) O outro respondeu sem hesitação: ele é um intelectual. Digamos que será tutor de sua filha. Tutor de Anne? Marbury tossiu. Mas ela é adulta, 20 anos. Já bem passada de tutela. Solteira. A palavra única fora feita de chumbo. E imagina-se uma filósofa religiosa. O primeiro impulso do ministro foi perguntar como aquele homem saberia alguma coisa sobre Anne, mas achou melhor não perguntar nada. E filha do pai. O tom nem de longe era de desculpas. E não aceitará tutor. Deram-nos a entender que ela se interessa pelos costumes da cultura grega, além de Teologia. Marbury deu um suspiro. Decerto aqueles homenzinhos saberiam das tendências religiosas da moça. Ela as expressara com bastante frequência em público. Talvez se interesse por uma coisa dessas, reconheceu. Talvez o senhor devesse insistir. Samuel não se mexeu. Esse homem que o senhor descobriu sabe alguma coisa sobre o trabalho de nossos tradutores?, perguntou o pastor, elevando a voz. Porque isso é tão importante para o senhor?, perguntou Isaiah, igualando o volume. Anne tem um interesse agudo por tradução. O ministro não podia tornar a falar mais alto. Se esse homem pudesse saber um pouco sobre a obra, isso talvez ajudasse a fazê-la aceitá-lo mais depressa. Ele sabe o que saberia qualquer pessoa na posição dele, cortou o outro. O rei James reuniu uma equipa de cerca de cinquenta e quatro intelectuais. Oito moram com o senhor em Cambridge. Só restam cinquenta e três agora, lembrou Isaiah. O importante, prosseguiu Samuel, mais irritado, é que estão traduzindo a Bíblia a partir de fontes originais. O conhecimento de grego do nosso homem é o que interessa tanto em relação à tradução quanto à sua filha. Pois muitos dos originais estão em grego...

Um pouco de conhecimento, interrompeu-o Marbury, na esperança de cortar outra discussão, não enganará nossos homens de Cambridge nem convencerá Anne... Ele é um intelectual superior, explodiu o outro. O pastor ouviu a ameaça nessas palavras. Combateu o impulso de cortar a discussão e deixar o quarto o mais rapidamente possível, percebendo que devia ter cuidado com aqueles homens. Melhor seguir adiante com os planos deles, mas acautelar-se para não confiar em tudo. Formulou, e abandonou, várias perguntas antes de decidir-se pelas mais básicas. Como, então, vou encontrá-lo? Curvou-se para a frente, disposto a sair. Vai chegar amanhã de manhã e apresentar-se ao senhor no diaconato. Samuel moveu uma resma de papel amarrada com barbante de açougueiro em direcção ao pastor. Por qual nome devo chamá-lo? Irmão Timon. A voz do outro pareceu rouca por um momento. O ministro notou que Daniel, que não falara, tremeu durante um breve instante. Quem lhe deu esse nome?, quis saber, sem evitar uma fracção de diversão nas suas palavras.

Os três homens entreolharam-se, obviamente sem resposta para a pergunta. Só pergunto porque acho o nome interessante. E, os senhores entendem, de uma peça que conheço. O nome de uma personagem que odeia todo mundo..., porque os homens foram ingratos com as suas boas obras. Os três permaneceram calados. Muito bem. Marbury levantou-se e puxou a capa em volta do corpo, apalpando em busca do cabo da adaga escondida. Que seja Timon. Espero encontrá-lo. Sem outra sílaba, dirigiu-se à porta, mal dando as costas aos três vultos. Tinha os ouvidos sintonizados para captar o menor sinal de movimento deles ao deslizar para fora». In Phillip Depoy, A Conspiração do rei James, Prumo, 2009, ISBN 978-857-927-022-2.

Cortesia de Prumo/JDACT

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