domingo, 3 de janeiro de 2021

Catarismo. Thaynná Atheniense Bráulio. «Barões franceses do norte que abraçaram sua cruzada viam nela uma oportunidade de obter terras, riquezas e vantagens comerciais subjugando a nobreza do sul…»

Cortesia de wikipedia e jdact

Fé e Guerra no Pays d’Oc

«De acordo com o historiador Lucien Febvre, a Europa só se tornou possível após a queda do Império Romano do Ocidente, ocorrida no ano de 476 d.C., sendo ela uma mistura dos romanos com o que chamamos comumente de bárbaros, que na verdade eram povos que habitavam locais na fronteira do antigo império, e que com o tempo só vieram a enriquecer a cultura da futura Europa e seus Estados Nacionais. Em Março de 1208, o papa Inocêncio III convocou uma cruzada contra a seita de cristãos no Languedoc. Hoje em dia, seus membros são geralmente conhecidos como cátaros. Eles chamavam a si mesmos de bons chrétiens; Bernard de Clairvaux os chamava de albigenses, e os registos inquisitoriais se referem a eles como heretici. O objectivo do papa Inocêncio era expulsar os cátaros da região do Midi e restaurar a autoridade religiosa da Igreja Católica. Barões franceses do norte que abraçaram sua cruzada viam nela uma oportunidade de obter terras, riquezas e vantagens comerciais subjugando a nobreza do sul, conhecida pela sua feroz independência.

A Idade Média e a Europa

Tal enriquecimento ocorreu durante o período que chamamos de Idade Média, ou pejorativamente de Idade das Trevas, que compreende do século IV ao XVI, e foi um período de transformações importantes no que hoje chamamos de Europa, ao contrário do que os renascentistas pensavam, foi um tempo de invenções, de arte e cultura muito ricas, no qual vemos em diversos pontos do continente surgir as mais diversas formas linguística-culturais que ainda hoje são marca de certas regiões. Com a invasão dos bárbaros, e a tomada das terras do antigo Império Romano, a única instituição, que poderia dar respaldo àqueles que viviam nos locais conquistados, era a Igreja Católica que se considerava a herdeira natural do império, e que provém das articulações entre romanos e germânicos, com sua hierarquia bem definida e forte. Logo os invasores já estavam se convertendo, por vezes porque viam ali uma verdadeira fé, por outras (e nesse caso maioria), pois viam vantagens em ter a Igreja como aliada para sua nação, tanto foi assim que quando da subida de Clóvis ao trono Merovíngio é baptizado pelo bispo de Reims e tem a Igreja ao seu lado, e vice-versa, um apoio mútuo, em épocas conturbadas.

Outra questão importante, observada pelo medievalista Jacques Le Goff, além das invasões bárbaras, para a formação da Idade Média e da Europa, são as heranças que da antiguidade. A primeira foi grega e o ideal de herói, muito difundido na mitologia, que se transforma na época medieval nos mártires do cristianismo, e os templos dos deuses em igrejas; a segunda é a herança romana, muito rica, que compreende a linguagem, cultura, arte de guerrear, que passa para os cavaleiros medievais, arquitectura, a oposição entre cidade e campo, e acima de tudo a ideologia trinfuncional indo-europeia, que nada mais é que a divisão clássica de classes medievais: os que oram, os que guerreiam e os que trabalham. A última herança é a bíblica, transmitido pelos judeus, dos quais os cristãos vão-se afastando cada vez mais. É por intermédio do cristianismo que Deus entra na Europa, sendo a Bíblia considerada por muito tempo como enciclopédia que contém todo o saber de Deus.

A Igreja Católica

Santo Agostinho teve uma influência marcante no cristianismo medieval, são dele as ideias de livre-arbítrio e graça, e no século V o papa Gelásio fundou a doutrina que chamamos de gelasiana, na qual afirmava sobre quem teria mais poder, os clérigos ou os leigos: dos dois, o sacerdócio tem o valor mais alto, na medida em que deve prestar contas dos próprios reis em matérias divinas. A Igreja era bem divida, tinha dioceses em vários cantos da Europa, tais dioceses tinham a seguinte hierarquia de cima para baixo: arcebispos, bispos, padres e monges. Sendo que cada uma deveria responder ao Papa em Roma. No século XI é fundada a Ordem Monástica de Cluny no território que hoje chamamos de França, reforçando a influência do papado na região, junto com a Reforma Gregoriana, que define a separação entre os clérigos e leigos, cada qual com suas funções, além das definições do baptismo de crianças, a definição de paróquia, de célula familiar, matrimónio cristão, disciplina sacramental, regulação dos costumes, e orações pelos defuntos. A Igreja Medieval alastrou seu poder pelas terras europeias, com seus dogmas, e ideias de castigos se as pessoas não fossem boas cristãs. Importante já mencionar aqui, que o que chamamos de heresia, ou seja, as dissidências que ocorrerão no seio do cristianismo europeu vêm de encontro a essa Reforma, e ao grande poder que os padres, bispos, e mesmo o Papa detém.

A Igreja dominava o saber da época. Era ela quem traduzia os livros do grego para o latim, tinha controle absoluto da interpretação da Bíblia, ensinava aos monges copistas (normalmente filhos não herdeiros de senhores de terras) a escrever, e assim quando se viu ameaçada pelas heresias, principalmente devido a livre tradução e interpretação dos Evangelhos, logo se colocou alerta para acabar com as doenças que se alastravam e deviam ser erradicadas de acordo com os monges do mosteiro de Cluny.

De acordo com Marc Bloch: o mundo europeu, enquanto europeu, é uma criação da Idade Média, tal afirmação, quando pensamos nos Estados Nacionais e nos dias actuais é verdadeira, tudo de facto começou a se formar na Idade Média, a ideia forte de estamento já mencionada, os que trabalhavam os que oravam e os que lutavam, além das obrigações para com um senhor de terras, como terá mais a frente à obrigação para com um rei ou governo, além do facto das leis que hoje regem muitos países virem da mestiçagem das leis germânicas (dos bárbaros) e das leis romanas. O que conhecemos hoje como poesia, estórias de amor, enfim o romantismo, também provém da época medieval, principalmente da Provença, e do sul de França, objecto principal do seguinte estudo». In Thaynná Atheniense Bráulio, Catarismo, Fé e Guerra no Pays d’Oc, UF Juiz de Fora, 2013.

Cortesia de UFJuizdeFora/JDACT

JDACT; Cátaros, Thaynná Atheniense Bráulio, Conhecimento,