A Piazza Pizzo di Merlo
«(…) Afinal de contas,
estavam casados, e as visitas de Roderigo eram muito infrequentes. Aquilo era
de se esperar, é claro, muito embora tivesse sido estabelecida a regra de que
Giorgio deveria apenas compartilhar
dos aposentos públicos da casa dela. Será que Roderigo poderia culpá-la? Ela
achava que não. Mas se houvesse uma dúvida de que o filho fosse dele, ele
poderia sentir-se menos inclinado a fazer por ele o que planeava fazer pelos
outros. Quando uma mulher segurava um filho nos braços, um filho nascido há
poucas horas, como poderia evitar que por um curto momento aquele filho lhe
parecesse mais precioso do que qualquer outra coisa sobre a Terra? César sempre
estaria em primeiro lugar nas suas afeições; mas naquele momento em que ela
jazia exausta na cama, o pequenino recém-chegado, o seu Goffredo, por ser o
mais frágil de sua ninhada, tinha, decidiu ela, de ter as mesmas oportunidades
que os irmãos. Ele parecia exactamente com os outros quando nasceram; na
verdade, poderia ser a pequena Lucrécia que estava nos seus braços agora, um bebezinho
de quatro horas de idade; e não havia dúvida de quem era o pai. Goffredo podia
ser filho de Roderigo. Com um amante e um marido vivendo sob o seu tecto, até
mesmo Vannozza não podia ter certeza. Mas deveria fazer tudo ao seu alcance
para deixar o cardeal certo de que era ele o pai da criança. Ele agora estava se dirigindo para a cama em que ela se
encontrava. As amas recuaram, em temerosa reverência, enquanto ele se
aproximava.
Vannozza,
minha cara! A voz dele parecia terna como sempre, mas ele raramente demonstrava
raiva, e ela não conseguiu entender quais eram os sentimentos dele para com a
criança. Desta vez foi um menino, meu senhor. Ele se parece muito com
Lucrécia..., e acho que verei sua Eminência nesta criança todos os dias. Uma
rechonchuda mão branca, brilhando de jóias, tocou a face da criança. Era um
gesto carinhoso, paternal, e o ânimo de Vannozza voltou. Ela agarrou o filho e
estendeu-o para o cardeal, que o tomou das suas mãos; ela viu a fisionomia dele
abrandar-se numa expressão de orgulho e alegria. Não era de admirar, pensou ela
então, que muita gente gostasse de Roderigo; seu amor pelas mulheres e pelas
crianças fazia com que elas ficassem ansiosas por agradá-lo e servi-lo. Ele
andou de um lado para o outro com a criança, e nos seus olhos havia um olhar
distante, como se estivesse vendo o futuro. Claro que aquilo significava que
ele fazia planos para o menino recém-nascido. Ele não desconfiava. Devia ter-se
comparado com Giorgio e se perguntado
como uma mulher poderia pensar no pequeno funcionário apostólico, quando devia
compará-lo com o encantador e poderoso cardeal.
Roderigo
colocou o menino de novo nos braços dela e ficou por uns instantes sorrindo
benignamente para ela. Então, com ironia, disse: e Giorgio? Está contente? Houve
um período na vida de Lucrécia do qual ela iria lembrar-se até ao dia da sua
morte. Ela estava com apenas quatro anos de idade, mas a recordação era tão
vívida que ficou marcada na sua mente. Em primeiro lugar, fora o começo da
mudança. Antes daquela época, ela levara a vida da ala infantil, segura no amor
de sua mãe, aguardando ansiosa as visitas do tio Roderigo, deliciando-se com a
batalha dos irmãos pelo seu afecto. Tinha sido um pequeno mundo feliz aquele em
que Lucrécia vivera. Todos os dias, ela tomava a sua posição na loggia e
ficava observando o mundo cheio de cores passar, mas tudo o que acontecia fora
da casa de sua mãe lhe parecia apenas quadros para o seu deleite ocioso; havia
uma irrealidade com relação a tudo o que acontecia do outro lado da loggia,
e Lucrécia estava segura no seu aconchegante mundo de amor e admiração.
Ela
sabia que era bonita e que ninguém podia deixar de perceber isso, por causa dos
seus cabelos amarelos e dos seus olhos claros, de um tom azul-acinzentado; as
pestanas e as sobrancelhas eram escuras e tinham sido herdadas dos ancestrais
espanhóis, segundo diziam; e aquela combinação, em parte por ser muito rara,
era muito atraente. Ela possuía os traços cativantes de uma pessoa que era
apenas uma parte italiana, e também uma parte espanhola. Os irmãos também
tinham aquele charme». In Jean Plaidy, Lucrécia Borgia, Edição Record, 1996, ISBN 978-850-104-410-5.
Cortesia
de ERecord/JDACT