«Com todo o respeito, minha senhora, todos nós já ouvimos falar na Fonte da Juventude e em Shangri-la, mas isso não significa que existam. O chiado alto do rádio de Anderson os interrompeu. Chefe?, disse a voz no rádio. Anderson arrancou o aparelho do cinto. Anderson falando. Senhor, já concluímos a busca do local. Ninguém aqui dentro corresponde à descrição. Mais alguma ordem, senhor? Anderson lançou um olhar rápido para Sato, claramente esperando uma reprimenda, mas a directora não parecia interessada. Ele se afastou um pouco dos dois, falando baixinho no rádio. Sato estava totalmente concentrada em Langdon. Está querendo dizer que o segredo que ele acredita estar escondido em Washington... é uma fantasia? Langdon assentiu.
Um
mito muito antigo. Na verdade, o segredo dos Antigos Mistérios é anterior ao
cristianismo. Tem milhares de anos. E mesmo assim continua vivo? Assim como várias crenças igualmente
improváveis. Langdon muitas vezes lembrava a seus alunos que a maioria das
religiões modernas incluía histórias que não resistiam ao escrutínio científico:
desde Moisés abrindo o mar Vermelho até Joseph Smith usando óculos mágicos para
traduzir o Livro de Mórmon a partir de uma série de placas de ouro que
encontrou enterradas no norte do estado de Nova York. A aceitação generalizada de uma ideia não é prova de sua validade. Entendo.
Então o que são exactamente esses...
Antigos Mistérios? Langdon suspirou. A
senhora tem algumas semanas? Resumidamente, os Antigos Mistérios se
referem a um conjunto de conhecimentos secretos reunidos muito tempo atrás. Um
dos aspectos intrigantes desse conhecimento é que ele supostamente permite àquele
que o detém entrar em contacto com poderosas habilidades adormecidas dentro da
mente humana. Os adeptos esclarecidos que possuíam esse conhecimento juraram
mantê-lo escondido das massas, porque ele era considerado poderoso e perigoso
demais para os não iniciados.
Perigoso
de que forma? As informações foram ocultadas pelo mesmo motivo que mantemos fósforos
fora do alcance das crianças. Nas mãos correctas, o fogo pode proporcionar
luz... mas, nas mãos erradas, ele pode ser altamente destrutivo. Sato tirou os óculos
e estudou Langdon. Diga-me, professor, o senhor acredita que essas informações
poderosas possam realmente existir? Langdon não sabia ao certo como responder.
Os Antigos Mistérios sempre tinham sido o maior paradoxo de sua carreira académica.
Praticamente todas as tradições místicas da Terra giravam em torno da ideia de
que havia um conhecimento misterioso capaz de dotar os seres humanos de poderes
sobrenaturais, quase como os de um deus: o tarô e o I Ching davam ao homem a capacidade
de ver o futuro; a alquimia, por sua vez, concedia a imortalidade graças à lendária
pedra filosofal; a wicca permitia aos praticantes avançados conjurar
poderosos feitiços. A lista não tinha fim.
Como
académico, Langdon não podia negar o registo histórico dessas tradições, tesouros
incalculáveis de documentos, artefactos e obras de arte que, de facto, sugeriam
claramente que os antigos possuíam um poderoso saber que só compartilhavam por
meio de alegorias, mitos e símbolos, garantindo assim que apenas os devidamente
iniciados pudessem ter acesso aos seus poderes. Mesmo assim, sendo realista e céptico,
Langdon ainda não estava convencido. Digamos apenas que eu sou um céptico, disse
ele a Sato. Nunca vi nada no mundo real que sugerisse que os Antigos Mistérios
são algo mais do que uma lenda, um arquétipo mitológico recorrente. Parece-me
que, se fosse possível para
os humanos adquirir poderes milagrosos, haveria provas disso. Mas até agora a história
não nos deu nenhum homem com poderes sobre-humanos. Sato arqueou as
sobrancelhas. Isso não é totalmente verdade.
Langdon
hesitou ao perceber que, para muitas pessoas religiosas, havia de facto um
precedente para deuses humanos, dos quais Jesus era o mais evidente. É verdade,
disse ele, que muitas pessoas instruídas acreditam nesse conhecimento capaz de
conferir poder, mas ainda não estou convencido. Peter Solomon é uma dessas
pessoas?, perguntou a directora, olhando de relance para a mão no piso da
Rotunda. Langdon não conseguiu se forçar a olhar novamente para a mão. Peter
vem de uma família que sempre teve paixão por todo tipo de coisa antiga e mística.
Então a resposta é sim?, indagou Sato. Posso garantir à senhora que, ainda que
Peter acredite que os Antigos Mistérios sejam verdadeiros, ele não crê que seja possível
acessá-los atravessando algum tipo de portal escondido em Washington. Ele
entende o conceito de simbolismo metafórico, algo que evidentemente não se pode
dizer de seu sequestrador. Sato aquiesceu.
Então o senhor acredita que esse
portal é uma metáfora? É claro,
disse Langdon. Pelo menos em teoria. É uma metáfora bem comum: um portal místico
que se deve atravessar de modo a alcançar a iluminação. Portais e portas são constritos simbólicos recorrentes, que representam ritos de passagem
transformadores. Procurar um portal literal
seria como tentar localizar os verdadeiros Portões do Paraíso. Sato
pareceu reflectir sobre a questão por alguns instantes. Mas me parece que o
homem que sequestrou o Sr. Solomon acredita que o senhor é capaz de destrancar
um portal de verdade. Langdon
soltou o ar com força. Ele cometeu o mesmo erro de muito zelotes: confundir metáforas
com realidade. De modo semelhante, os alquimistas primitivos se esforçaram em vão
para converter chumbo em ouro sem nunca perceber que essa transformação nada
mais era do que uma metáfora para a exploração do verdadeiro potencial humano:
pegar uma mente obtusa, ignorante, e transmudá-la em uma mente brilhante e
iluminada.
Sato
gesticulou em direcção à mão. Se esse homem quer que o senhor localize algum
tipo de portal para ele, por que simplesmente não lhe diz como encontrá-lo? Por que toda essa encenação? Por que lhe
dar a mão tatuada de alguém? Langdon havia feito a mesma pergunta a si mesmo, e
a resposta era perturbadora. Bem, parece que o homem com quem estamos lidando,
além de mentalmente instável, é muito instruído. A mão é uma prova de que ele é
versado nos Mistérios, assim como em seus códigos de confidencialidade. Sem
mencionar seus conhecimentos relativos à história desta sala. Não estou
entendendo. Tudo o que ele fez hoje à noite se encaixa perfeitamente nos
protocolos antigos. Tradicionalmente, a Mão dos Mistérios é um convite sagrado,
devendo, portanto, ser feito em um local igualmente sagrado». In Dan Brown, O Símbolo Perdido, 2009, Bertrand
Editora, 2009, ISBN 978-972-252-014-0.
Cortesia de BertrandE/JDACT
JDACT, Washington DC, Dan Brown, Literatura, Maçonaria,