«Mas ela viu outra coisa enquanto ele a observava. Viu-a na postura descontraída do seu corpo e no brilho do seu olhar e no próprio sorriso. Presunção. Arrogância. Orgulho. Inabalável autoconfiança. Viu o quanto ele tinha consciência do efeito que o seu rosto e o seu corpo tinham sobre ela. Sobre todas as mulheres.
Ela
já havia encontrado homens assim antes. A casa de seu pai tinha-os aos montes.
Talvez ela não se importasse tanto de o matar, afinal. O que fazeis aqui?, repetiu
ele. Ela recompôs-se. Fui chamada pela povoação de Bewton. Enviaram alguém a
Glasgow para me contratar. As pessoas de lá queriam ter a certeza de que a sua
oferta vos agradaria, sir Morvan. Oferta? Estais a dizer que a cidade comprou
uma meretriz… Sou Melissa, cortesã, disse ela num tom pouco pacífico.
Asseguro-lhe
que não sou meretriz nenhuma. É por essa razão que aqui estou. A cidade não
confiava um dever destes às suas alcoviteiras. E qual é o propósito desta
oferta? Esperam que, se esta vos comprouver, poupeis a povoação e refreeis o
vosso exército. E viestes para me persuadir? Ele deu uma volta ao seu redor,
examinando-a como a um animal para venda. Ela quase contava que ele abrisse a
boca num bocejo, anunciando que ela não serviria de todo. O cavaleiro que desse
uma tal ordem aos seus homens teria de se encontrar deveras satisfeito. De que
serve conquistar sem proveitos a haver?
A
povoação pagará tributo. Haverá espólio o bastante. São as pilhagens e as
violações bárbaras que pretendem evitar. Ele estendeu um braço e acariciou-lhe
o cabelo, pegando em parte dele, deixando que o seu olhar e os seus dedos
percorressem o seu considerável comprimento. Dissestes que vos chamáveis? Melissa.
Podeis não ter ouvido falar de mim, mas fui treinada pela famosa Dionisia. Não
me pareceis uma cortesã, Melissa. Sempre presumi que eram mulheres voluptuosas.
Vós sois fracota e escanzelada de mais para tal. Um cabelo adorável, porém. Uma
cor invulgar. Muito ténue, como tecido de luar. Ele ainda segurava a ponta da
comprida madeixa de cabelo, que pendia entre os dois como uma tira de seda.
O
que vós chamais de fracote e escanzelado, grandes senhores consideram mimoso e
delicado, sir Morvan. Além do mais, os dotes de uma cortesã tornam esses
pormenores insignificantes. Contudo, é evidente que sois grosseiro nas vossas
preferências. Vou regressar e dizer aos anciãos da aldeia que eles se
enganaram. Não. Foi uma estratégia brilhante. Tem apenas um senão, e não é o
vosso tamanho. Ele ainda tinha os dedos no cabelo dela. Eu não sou sir Morvan. Mas
esta é a tenda maior e está no centro do acampamento. Disseram-me que este
exército pertence a Morvan Fitzwaryn. É um facto, mas aqui sou eu quem manda.
Morvan está ocupado noutras bandas. O exército principal está em Harclow.
Não
admira que não tivesse chegado ajuda. Todos na torre haviam presumido que
Morvan Fitzwaryn montara cerco primeiro a este feudo, que era periférico, para
ter uma posição avançada antes de tentar conquistar Harclow, mais
impressionante, mas o homem atacara ambas as fortalezas de uma vez só. E
Clivedale também? Qual seria o tamanho deste exército? Ela refez rapidamente os
seus planos. Se aqui era este o homem que estava no comando, à partida o plano
era tão bom para ele como para o seu amo. Se não sois Morvan Fitzwaryn, quem
sois, então? Ian de Guilford.
E
sois mesmo quem comanda aqui? Sim. O destino desta torre e da povoação vizinha
estão nas minhas mãos. Se eles vos mandaram para negociar, tendes o nome
errado, mas o homem certo. A oferta deles destinava-se a mim.
A
franqueza com que ele a olhou deixou-a em absoluto desassossego. O olhar dele
continha as consequências do fracasso nas quais ela evitara cuidadosamente
pensar. A sua coragem desapareceu num piscar de olhos. – É lamentável, então,
que eu não seja do vosso agrado. Vou retirar-me imediatamente. Insisto que
fiqueis. Se assim não for não tereis o vosso pagamento, e percorrestes uma
longa distância. Foi indelicado da minha parte criticar tal oferta. Além disso,
se fostes treinada pela famosa Dionisia, duvido que haja lugar a desilusões». In Madeline
Hunter, Mil Noites de Paixão, 2002, Edições ASA, 2012, ISBN 978-989-231-672-7.
Cortesia de EASA/JDACT
JDACT, Madeline Hunter, Literatura, Idade Média,