quinta-feira, 16 de novembro de 2023

Mil Noites de Paixão. Madeline Hunter. «Ignorou o olhar desconfiado que Thomas lançou ao seu vestido rasgado e ao cabelo solto. Um pequeno grupo entrou pelo túnel. Tomarão a porta de armas e levantarão a grade»

Cortesia de wikipedia e jdact

«John praguejou e desembainhou a espada. Os outros homens começaram a avançar às apalpadelas pela escuridão. Reyna estava encostada à parede de pedra, de frente para John, o escudeiro. À medida que os minutos passavam e ela não se rebelava, uma sensação vaga de relaxamento apoderou-se dele. Por fim, a ponta da lâmina caiu do peito dela e ele mudou de posição e também se encostou à pedra. Ela esforçava-se por ouvir sons da torre, mas a noite continuava silenciosa. Imaginou Ian e os outros a deslizarem do túnel para a passagem na muralha norte, a esgueirarem-se pelas sombras até à porta de armas, e a abaterem os guardas um por um.

O vosso amo parece ser um grande guerreiro. Lá isso é, concordou John, orgulhoso. Poucos conseguem estar à altura da sua espada, e ele é campeão de muitas justas e torneios. Lançou-se numa descrição de uma justa em particular, na Bretanha, e Reyna alimentava o seu discurso com perguntas, incitando-o a sentir-se à vontade com ela. Ainda não se ouvia som algum da torre. Ele deve ser muito famoso em Inglaterra. John deu uma risada. É, com toda a certeza, mas não da maneira que pensais. O grosso dos seus combates teve lugar em França, com esta companhia livre que ele trouxe para aqui quando sir Morvan os tomou ao serviço. Ele fez-se líder deles há muitos anos.

Reyna sabia alguma coisa sobre companhias livres, os bandos de soldados independentes e cavaleiros sem terra que se ofereciam a barões e reis em troca de soldo. Quando não tinham compromissos profissionais continuavam as suas conquistas de forma independente, montando cercos que levantariam se fosse pago um resgate. Haviam-se tornado um problema sério em França, assediando povoações e quintas. Se Morvan Fitzwaryn contratara desordeiros deste calibre para este cerco, isto não abonava nada pelo futuro da sua gente. Ele lutou em Poitiers no ano passado com o Príncipe Negro, acrescentou John, defensivo, como se pressentisse a desaprovação dela. Salvou a vida a sir Morvan lá. Morvan tem uma velha contenda com a família Beaumanoir da Bretanha, e foram atrás dele no campo. Ian nem sequer sabia quem ajudava, apenas viu os cavaleiros a tentar derrubar Morvan e entrou na luta por desporto.

Tal heroísmo torná-lo-ia decerto famoso. Não, não é isso. Não em Inglaterra. Aqui penso que ele é mais conhecido pelo jeito que tem com as mulheres. Sir Ian é um homem atraente, não posso negá-lo. Isso é dizer que o mar é uma poça de água. O meu amo tem de enxotar as mulheres com a espada. Sejam grandes senhoras ou criadas de cozinha, atiram-se todas a ele. Ele soltou um suspiro de admiração e depois inclinou-se, conspirador, na direcção dela. Quando cá regressámos, disseram-me que, em Windsor, a corte lhe tinha atribuído um nome especial, como um título. Um nome especial? Um título honorífico? Sim. Ela quase conseguia ouvir o sorriso afectado do jovem. Em Windsor e Londres é conhecido como O Senhor das Mil Noites.

Reyna desatou às gargalhadas e John, desrespeitosamente, acompanhou-a. Isto era muito bom. Havia homens que recebiam designações baseadas nos seus feitos audazes. O Herói disto e daquilo. Ian de Guilford fora imortalizado pelo número de vezes que havia fornicado. Enquanto conversava com John, Reyna não parou de tatear o chão com o pé. Quando o riso desvaneceu, ela encontrou o que procurara. Isto foi um erro, disse ela. Não, minha senhora. sir Ian também acha isto divertido.

Não me referia a isso. Eu estive enfiada naquela tenda durante muito tempo, e a rir… o que quero dizer é que preciso de… Precisais de?… Ah! Talvez pudésseis aguardar um pouco à entrada, sugeriu ela. Assim, certamente que eu não conseguiria sair. Ele ponderou, depois avançou alguns passos e posicionou-se, de costas voltadas, à entrada. Reyna aninhou-se e deparou com o pequeno pedregulho que o seu pé tinha tocado. Erguendo-o com ambas as mãos, avançou cuidadosamente na direcção de um John incauto. Erguendo-a por cima da cabeça, deixou-a cair. O jovem estatelou-se redondo no chão. Enchendo a mente de temor pela sua gente, para afastar os terrores da infância, avançou apressada pelo túnel de pedra. Sentia-se dominada por emoções contraditórias. Determinação letal. Resignação apática. Preocupação dilacerante.

E, permeando-as a todas, sem cessar, os tentáculos do terror que se esticavam na escuridão implacável para a enredar. A quinze metros do fim, a mão dela encontrou a abertura que procurava. Outro túnel desviava-se a partir daqui, a um ângulo estranho do túnel principal, quase invisível mesmo com um archote. Este continuava por baixo do pátio até à própria torre. Ela entrou, abaixada, correndo mais veloz, pois de certeza que, a esta altura, Ian já teria chegado à porta de armas. Alcançou finalmente as escadas e, detendo-se apenas um segundo para recuperar o fôlego, deu início à longa subida pelas paredes da torre. Degraus de pedra, um monte deles, erguiam-se na escuridão. Mal conseguia respirar quando, por fim, conseguiu chegar lá acima. Exausta e com as pernas bambas, empurrou a parede de pedra. A parte de baixo cedeu e ela caiu no quarto principal.

Ficou deitada no chão, debatendo-se para respirar, deleitando-se com a luz que a banhava. Num primeiro momento, assumiu que o aposento estava vazio, de tão absoluto que era o silêncio. Depois, uns braços fortes agarraram nela e ergueram-na. Ela olhou para o rosto bondoso e preocupado de sir Reginald. A porta de armas, disse, arquejante. Eles estão cá dentro e vão abri-la para os outros entrarem. O quê?, disse uma voz estrondosa atrás dela. Ela virou-se e deparou com sir Thomas Armstrong e cinco outros cavaleiros. Ela viera aterrar no meio de um conselho. Eles transpuseram a muralha e estão cá dentro. Ignorou o olhar desconfiado que Thomas lançou ao seu vestido rasgado e ao cabelo solto. Um pequeno grupo entrou pelo túnel. Tomarão a porta de armas e levantarão a grade». In Madeline Hunter, Mil Noites de Paixão, 2002, Edições ASA, 2012, ISBN 978-989-231-672-7.

 Cortesia de EASA/JDACT

JDACT, Madeline Hunter, Literatura, Idade Média,