domingo, 19 de novembro de 2023

Isabel de Castela. Giles Tremlett. «Pelas paisagens diversificadas e em geral acidentadas de Castela, do noroeste húmido e verde ao sueste árido, semelhante a um deserto, a violência de Isabel era dirigida contra aqueles que se opunham…»

jdact e cortesia de wikipedia

A primeira grande rainha da Europa

«Em nenhum lugar isso foi mais verdadeiro do que em sua tentativa de completar a chamada Reconquista, derrotando o antigo reino muçulmano de Granada. Isabel admirava Joana D’Arc, mas não fez nenhuma tentativa de imitá-la liderando tropas em batalha. Isso era trabalho de homem e ela acreditava firmemente na divisão dos sexos (bem como de classes, fé religiosa e grupos étnicos).

Nesse, e em muitos outros aspectos, ela era não só uma mulher de seu tempo, mas uma extremamente conservadora. Nem ela sentia alguma necessidade de fingir qualquer forma de masculinidade, embora os homens geralmente achassem que só podiam explicar seu extraordinário sucesso atribuindo-lhe algumas de suas próprias qualidades masculinas. Enquanto Elizabeth I mais tarde viesse a proclamar ter o coração e o estômago de um rei, Isabel preferia expressar um espanto furioso de que como uma mulher frágil ela fosse muito mais ousada e beligerante do que os homens que a serviam.

A Castela que ela reclamava o direito de governar devia seu nome aos castelos, ou castillos, que pontilhavam um reino esculpido em séculos de guerra e conquista de terras muçulmanas. A identidade de seu país foi moldada em torno de seu papel como uma nação das Cruzadas, defensora da fronteira sul do cristianismo. As distintas regiões de Castela deviam sua existência, ainda, aos diferentes estágios de uma Reconquista que tivera início nas montanhas que assomavam sobre a costa da Cantábria, ao norte, e se espalhavam lentamente pela região mais ampla, conhecida como Velha Castela. Essa região ficava ao norte de uma cordilheira central de montanhas e serras de cumes nevados, que incluíam as cadeias Guadarrama e Gredos.

A Velha Castela (juntamente com as terras onde a Reconquista foi desmanchada e obteve seus primeiros sucessos, nas Astúrias, no País Basco e na Galícia) era limitada ao norte e a oeste por uma linha costeira perigosa e inóspita. Incluía o próprio Fim da Terra, ou Finisterra, da Espanha, onde deslumbrados romanos maravilharam-se com o sol se pondo por trás da borda ocidental do mundo conhecido. Essa antiga parte de seus domínios estruturava-se em torno de uma rede de belas cidades muradas, como Segóvia, Ávila, Burgos e Valladolid, que se tornaram ricas graças ao comércio de lã. Todo o Outono, os rebanhos de ovelhas seguiam em direcção ao sul pelas montanhas, ou pelos passos, como Isabel dizia, para os seus pastos de Inverno na região que se tornara conhecida como Nova Castela.

Esta região era presidida pela antiga Toledo, com suas igrejas magníficas, mesquitas e sinagogas convertidas, que juntas simbolizavam séculos de coexistência religiosa na Espanha. Mais ao sul e a oeste ficava a próspera Andaluzia, com suas férteis planícies, portos no Atlântico e a maior cidade do país, Sevilha, como sua florescente capital. Longe, para leste, ficava a escassamente povoada terra de fronteira de Múrcia, que oferecia a Castela portos no Mediterrâneo. A Estremadura, na fronteira ocidental de Castela com Portugal, também devia muito de sua natureza à sua própria condição de fronteira.

Pelas paisagens diversificadas e em geral acidentadas de Castela, do noroeste húmido e verde ao sueste árido, semelhante a um deserto, a violência de Isabel era dirigida contra aqueles que se opunham ao seu golpe de usurpadora, desafiavam a autoridade real ou ameaçavam a pureza de seu reino. A limpeza étnica e religiosa levou milhares à fogueira, dezenas de milhares foram banidos e muitos mais forçados a se converter ao cristianismo. Judeus e muçulmanos foram apagados da população oficial da Espanha, forçando muitos a esconderem a sua verdadeira fé. Sua nova Inquisição (maldita)  estatal, dirigida pela monarquia, usava frágeis provas e confissões extraídas sob tortura para levar à fogueira conversos cuja impureza racial geralmente era a única base real para suspeitas sobre suas crenças. E foi durante o seu reinado que os espanhóis cristãos de linhagem judaica começaram a se ver formalmente categorizados como súbditos de segunda classe. São actos terríveis pelos padrões éticos actuais, mas foram amplamente aplaudidos em uma Europa que via com desdém a mistura de religiões da Espanha. Muitos se perguntavam por que os espanhóis levaram tanto tempo para fazer o que eles próprios haviam feito há séculos.

Limpeza étnica ou religiosa, escravização e intolerância não eram vistas com maus olhos. Podiam, na verdade, ser virtuosas. Entretanto, mesmo pelos parâmetros de sua própria época, Isabel era considerada severa. O próprio Maquiavel fez comentários sobre a crueldade piedosa praticada nos reinos de Isabel. Em público, ela aperfeiçoou uma forma distante de realeza impassível, mas por trás disso havia uma mulher de convicções intensas e inabaláveis. Somente Fernando e um punhado de frades cristãos austeros e severos, a quem ela recorria em busca de orientação moral, pareciam capazes de fazê-la mudar de ideia». In Giles Tremlett, Isabel de Castela, Editora Rocco, 2018, ISBN 978-853-253-099-8.

Cortesia de ERocco/JDACT

JDACT, Giles Tremlett, Espanha, Cultura, Conhecimento,