quarta-feira, 1 de novembro de 2023

Mil Noites de Paixão. Madeline Hunter. «Tinha visto este homem do cimo da casa-torre. Ele era mais alto do que a maioria, mas quando todos não passam de um pontinho ao longe isso não quer dizer grande coisa. Contudo, ela era mais baixa…»

Cortesia de wikipedia e jdact

«Sendo assim, que o Senhor vos acompanhe. Reyna atravessou a entrada e ficou em pé entre os arbustos. Cinquenta metros mais à frente estavam os acampamentos que circundavam a torre. Não era um exército numeroso, mas era suficientemente grande para assegurar que ninguém saía nem provisões entravam. Não tinha havido tentativas de assalto, ninguém a escalar muralhas, nem máquinas de guerra a arremessar fogo e pedras. Tampouco houvera negociações. Apenas dois meses de um inabalável cerco.

Homens circulavam pelo acampamento, os seus movimentos indolentes com o calor do verão. Não envergavam muita roupa e o sol bronzeara os seus corpos. Um punhado havia adotado os kilts, mais frescos, dos escoceses. Mas estes homens não eram escoceses.

Ingleses, pensou ela com repulsa, e a simples ideia deu-lhe renovada determinação. Os ingleses haviam sido os monstros da sua infância e os inimigos da sua juventude. O seu rei escocês podia ter aceitado a derrota pelo rei Eduardo de Inglaterra há dez anos, mas não havia escocês algum, especialmente das fronteiras de Cúmbria e Northumberland, que se submetesse prontamente à autoridade que os ingleses reclamavam.

Ela sabia tudo sobre os soldados ingleses e sobre o que aconteceria se os sapadores deles conseguissem atravessar as muralhas. Há gerações que se repetiam descrições das atrocidades dos ingleses. Ela obrigou-se a imaginar pessoas que conhecia a serem esquartejadas e torturadas, granjeando força dessas imagens horríveis. Não estava na sua natureza fazer o que planeara fazer agora, mas não via outra alternativa. Esperava que Deus acorresse em seu auxílio, e que depois a perdoasse.

Saiu disparada do meio dos arbustos e caminhou na diagonal até aparentar ter vindo de um dos caminhos a norte. Os homens examinaram-na, avaliando o significado do seu cabelo solto e do vestido de seda. Ela avançou a passos firmes, dirigindo-se ao acampamento ocidental e à tenda grande que se encontrava no seu centro. Quando a avistou, abrandou. Uma vez lá dentro, não haveria retorno.

Um assobio lascivo captou a sua atenção. Dois cavaleiros trocaram um sorrisinho irónico e começaram a caminhar em direcção a ela, fazendo sons obscenos com a boca, zombando dela. Reyna sentiu um arrepio na pele e fez a correr os últimos metros até à tenda grande com galhardetes verdes e brancos.

Um escudeiro estava à entrada, a limpar armas. Ergueu os olhos, perplexo, quando ela avançou decidida na sua direcção, passou a correr por ele, e se enfiou na tenda. Ela rezou para que o homem que procurava estivesse lá dentro e que os outros não a seguissem.

De qualquer forma, isso não queria dizer nada, pois ele podia simplesmente encolher os ombros e deixá-los levá-la. A lona branca criava uma luz difusa, suave, e ela precisou de algum tempo para ajustar a visão. Passou os olhos pela pouca mobília da tenda; um catre, uma mesa e um baú. Uma armadura polida brilhava no chão a alguns passos dela. Não se ouvia um único som naquele espaço. Foi então que uma sombra se moveu. Um homem ergueu-se do banco onde estivera sentado com as costas apoiadas no mastro central da tenda. O que fazeis aqui?, perguntou ele num tom ríspido. Ela ficou parada a olhar.

Tinha visto este homem do cimo da casa-torre. Ele era mais alto do que a maioria, mas quando todos não passam de um pontinho ao longe isso não quer dizer grande coisa. Contudo, ela era mais baixa do que a maioria, e a diferença marcada entre a altura deles fez com que, de súbito, ela ficasse profundamente consciente da sua vulnerabilidade. O que ela não vira da torre era o quão belo ele era. Pestanas espessas suavizavam e emolduravam olhos escuros, sérios, que, à luz da tenda, eram como duas manchas. Ossos pronunciados moldavam-lhe a face e o queixo. Uma boca larga, direita, de lábios algo carnudos, exigia a sua atenção. O cabelo escuro dava-lhe pelos ombros e estava preso na testa por uma faixa de tecido enrolado.

Envergava apenas umas calças largas à camponês, cortadas acima do joelho. As pernas eram bem torneadas, de músculos esguios e linhas definidas. A mesma elegância atlética que lhe moldava os ombros largos e lhe esculpia o peito. Com aquela roupagem primitiva, fazia-lhe lembrar os guerreiros antigos acerca dos quais lera nos livros de Robert. Ele era o inimigo, mas isso não a impediu de ficar sem fôlego.

Magnífico. Assombroso. Pena ela ter de o matar. Ele caminhou até ela. Avaliou sobranceiramente o seu vestido, cabelo e faces rosadas enquanto retirava a faixa da testa e passava mão forte pelo cabelo. Ela esperava que ele não conseguisse vê-la corar, pois a mulher que era hoje nunca se deixaria desconcertar pelo escrutínio de um homem, por muito belo que ele fosse.

A expressão dele aligeirou-se e ergueu uma sobrancelha inquiridora. Havia compreendido a única parte que precisava de saber. Sorriu. Santo Deus, que sorriso. Lábios juntos, direitos, que mal se erguiam nos cantos da boca. Absolutamente encantador, subtilmente sugestivo, vagamente escarninho. Covinhas sedutoras surgiram de um lado e do outro da boca. Aquele rosto belo e aqueles olhos insondáveis de distantes e pensativos a sensuais e afáveis». In Madeline Hunter, Mil Noites de Paixão, 2002, Edições ASA, 2012, ISBN 978-989-231-672-7.

Cortesia de EASA/JDACT

JDACT, Madeline Hunter, Literatura, Idade Média,