«O sacerdote secretário parou, por fim, em uma das salas, uma qualquer, idêntica às demais, com os mesmos motivos ornamentais e as mesmas pinturas, e nos pediu que esperássemos um momento, desaparecendo atrás de umas portas tão delicadas como folhas de ouro. Sabe onde nos encontramos doutora? Perguntou o Prefeito com gestos de mão nervosos e um sorrisinho de profunda satisfação nos lábios. Aproximadamente, Reverendo Padre... Respondi olhando com atenção ao meu redor. Havia um odor especial ali, como de roupa recém-passada ainda quente, mesclada com tintura e gomas. Estas são as dependências da Segunda Secção da Secretaria de Estado, fez um gesto com o queixo abarcando o espaço, A secção que se encarrega das relações diplomáticas da Santa Sé com o resto do mundo. Em frente, se encontra o Arcebispo Secretário, monsenhor Françoise Tournier. Ah, sim, monsenhor Tournier! Afirmei com muita convicção. Não tinha nem ideia de quem era, mas o nome me soava ligeiramente familiar. Aqui, doutora Salina, é onde com maior facilidade se pode comprovar que o poder espiritual da Igreja está por cima de governos e fronteiras. E por que viemos a este lugar, Reverendo Padre?
Nosso
trabalho não tem nada a ver com este tipo de coisas. Olhou-me com perturbado e
desceu a voz. Não saberia dizer o motivo... De qualquer maneira, o que posso
afirmar é que se trata de um assunto do mais alto nível. Mas Reverendo Padre,
insisti, Eu sou funcionária do Arquivo Secreto. Qualquer assunto de nível
máximo deveria tratá-lo o senhor, como Prefeito, ou Sua Eminência, monsenhor
Oliveira. O que eu faço aqui? Olhou-me com cara de quem não sabia o que
responder e, me dando umas pancadinhas alentadoras no ombro, me abandonou para
se aproximar de um nutrido grupo de prelados que se encontrava próximo das
janelas, buscando os cálidos raios do sol. Foi então quando notei que o odor de
roupa recém-passada vinha daqueles prelados. Era quase a hora de comer, mas ali
ninguém parecia preocupado com isso; a actividade seguia se desenvolvendo febrilmente
pelos corredores e dependências, e era constante o tráfego de eclesiásticos e
civis indo de um lado para outro por todos os rincões. Nunca antes tivera a
oportunidade de estar naquele lugar e me entretive observando, maravilhada, a
incrível sumptuosidade das salas, a elegância do mobiliário, o inapreciável
valor das pinturas e dos objectos decorativos que ali havia. Meia hora antes me
encontrava trabalhando, sozinha e em completo silêncio, em meu pequeno
laboratório, com meu jaleco branco e meus óculos, e agora me achava rodeada da
mais alta diplomacia internacional em um lugar que parecia ser um dos centros
de poder mais importantes do mundo. De repente, se ouviu o barulho de uma porta
ao se abrir e se escutou um tumulto de vozes que fez com que todos os presentes
virassem a cabeça nessa direcção.
Imediatamente,
um nutrido e grande grupo de jornalistas, alguns com câmaras de televisão e
outros com gravadores, fez sua aparição pelo corredor principal, soltando
risadas e exclamações. A maioria era de estrangeiros, principalmente europeus e
africanos, mas também havia muitos italianos. Em conjunto, seriam uns quarenta
ou cinquenta repórteres que inundaram nossa sala em questão de segundos. Alguns
paravam para cumprimentar os Sacerdotes, Bispos e Cardeais que, como eu,
perambulavam por ali, e outros avançavam apressadamente até à saída. Quase
todos me olharam às escondidas, surpresos por encontrar uma mulher em um lugar
onde algo assim não era habitual. Lehman receberá uma reprimenda! Exclamou um
jornalista calvo e com óculos de míope ao passar junto a mim.
Está
claro que Wojtyla não pensa em demitir, afirmou outro, alisando a barba. Ou não
o deixam demitir! Sentenciou ousadamente um terceiro. O restante de suas
palavras se perdeu enquanto desapareciam corredor abaixo. O presidente da
Conferência Episcopal alemã, Karl Lehman, realizara umas perigosas declarações
semanas atrás, afirmando que, se João Paulo II não se encontrava em condições
de guiar com responsabilidade a Igreja, seria desejável que encontrasse a
vontade necessária para se afastar. A frase do bispo de Magúncia, que não fora
o único a expressar tal sugestão, dada a má saúde e o mal estado geral do Sumo
Pontífice, caiu como azeite fervendo nos círculos mais próximos ao Papa e, pelo
que parecia, o cardeal Secretário de Estado, Ângelo Sodano, acabava de dar
resposta a tais opiniões em uma tormentosa roda de imprensa. As águas
estavam revoltas, pensei com apreensão, e aquilo não ia parar até que o
Santo Padre repousasse debaixo da terra e um novo pastor assumisse com mão
firme o governo universal da Igreja. De entre todos os assuntos do Vaticano que
mais interessa as pessoas, o mais fascinante sem dúvida, o mais carregado de
significações políticas e terrenas, aquele onde melhor se mostram não só as
ambições mais indignas da Cúria, mas, também os aspectos menos piedosos dos
representantes de Deus, é a eleição de um novo Papa». In Matilde Asensi, O Último
Catão, 2005, Editora Dom Quixote, ISBN 978-972-202-904-9.
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