sábado, 18 de novembro de 2023

O Último Catão. Matilde Asensi.«Está claro que Wojtyla não pensa em demitir, afirmou outro, alisando a barba. Ou não o deixam demitir! Sentenciou ousadamente um terceiro. O restante de suas palavras se perdeu enquanto desapareciam corredor abaixo»

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«O sacerdote secretário parou, por fim, em uma das salas, uma qualquer, idêntica às demais, com os mesmos motivos ornamentais e as mesmas pinturas, e nos pediu que esperássemos um momento, desaparecendo atrás de umas portas tão delicadas como folhas de ouro. Sabe onde nos encontramos doutora? Perguntou o Prefeito com gestos de mão nervosos e um sorrisinho de profunda satisfação nos lábios. Aproximadamente, Reverendo Padre... Respondi olhando com atenção ao meu redor. Havia um odor especial ali, como de roupa recém-passada ainda quente, mesclada com tintura e gomas. Estas são as dependências da Segunda Secção da Secretaria de Estado, fez um gesto com o queixo abarcando o espaço, A secção que se encarrega das relações diplomáticas da Santa Sé com o resto do mundo. Em frente, se encontra o Arcebispo Secretário, monsenhor Françoise Tournier. Ah, sim, monsenhor Tournier! Afirmei com muita convicção. Não tinha nem ideia de quem era, mas o nome me soava ligeiramente familiar. Aqui, doutora Salina, é onde com maior facilidade se pode comprovar que o poder espiritual da Igreja está por cima de governos e fronteiras. E por que viemos a este lugar, Reverendo Padre?

Nosso trabalho não tem nada a ver com este tipo de coisas. Olhou-me com perturbado e desceu a voz. Não saberia dizer o motivo... De qualquer maneira, o que posso afirmar é que se trata de um assunto do mais alto nível. Mas Reverendo Padre, insisti, Eu sou funcionária do Arquivo Secreto. Qualquer assunto de nível máximo deveria tratá-lo o senhor, como Prefeito, ou Sua Eminência, monsenhor Oliveira. O que eu faço aqui? Olhou-me com cara de quem não sabia o que responder e, me dando umas pancadinhas alentadoras no ombro, me abandonou para se aproximar de um nutrido grupo de prelados que se encontrava próximo das janelas, buscando os cálidos raios do sol. Foi então quando notei que o odor de roupa recém-passada vinha daqueles prelados. Era quase a hora de comer, mas ali ninguém parecia preocupado com isso; a actividade seguia se desenvolvendo febrilmente pelos corredores e dependências, e era constante o tráfego de eclesiásticos e civis indo de um lado para outro por todos os rincões. Nunca antes tivera a oportunidade de estar naquele lugar e me entretive observando, maravilhada, a incrível sumptuosidade das salas, a elegância do mobiliário, o inapreciável valor das pinturas e dos objectos decorativos que ali havia. Meia hora antes me encontrava trabalhando, sozinha e em completo silêncio, em meu pequeno laboratório, com meu jaleco branco e meus óculos, e agora me achava rodeada da mais alta diplomacia internacional em um lugar que parecia ser um dos centros de poder mais importantes do mundo. De repente, se ouviu o barulho de uma porta ao se abrir e se escutou um tumulto de vozes que fez com que todos os presentes virassem a cabeça nessa direcção.

Imediatamente, um nutrido e grande grupo de jornalistas, alguns com câmaras de televisão e outros com gravadores, fez sua aparição pelo corredor principal, soltando risadas e exclamações. A maioria era de estrangeiros, principalmente europeus e africanos, mas também havia muitos italianos. Em conjunto, seriam uns quarenta ou cinquenta repórteres que inundaram nossa sala em questão de segundos. Alguns paravam para cumprimentar os Sacerdotes, Bispos e Cardeais que, como eu, perambulavam por ali, e outros avançavam apressadamente até à saída. Quase todos me olharam às escondidas, surpresos por encontrar uma mulher em um lugar onde algo assim não era habitual. Lehman receberá uma reprimenda! Exclamou um jornalista calvo e com óculos de míope ao passar junto a mim.

Está claro que Wojtyla não pensa em demitir, afirmou outro, alisando a barba. Ou não o deixam demitir! Sentenciou ousadamente um terceiro. O restante de suas palavras se perdeu enquanto desapareciam corredor abaixo. O presidente da Conferência Episcopal alemã, Karl Lehman, realizara umas perigosas declarações semanas atrás, afirmando que, se João Paulo II não se encontrava em condições de guiar com responsabilidade a Igreja, seria desejável que encontrasse a vontade necessária para se afastar. A frase do bispo de Magúncia, que não fora o único a expressar tal sugestão, dada a má saúde e o mal estado geral do Sumo Pontífice, caiu como azeite fervendo nos círculos mais próximos ao Papa e, pelo que parecia, o cardeal Secretário de Estado, Ângelo Sodano, acabava de dar resposta a tais opiniões em uma tormentosa roda de imprensa. As águas estavam revoltas, pensei com apreensão, e aquilo não ia parar até que o Santo Padre repousasse debaixo da terra e um novo pastor assumisse com mão firme o governo universal da Igreja. De entre todos os assuntos do Vaticano que mais interessa as pessoas, o mais fascinante sem dúvida, o mais carregado de significações políticas e terrenas, aquele onde melhor se mostram não só as ambições mais indignas da Cúria, mas, também os aspectos menos piedosos dos representantes de Deus, é a eleição de um novo Papa». In Matilde Asensi, O Último Catão, 2005, Editora Dom Quixote, ISBN 978-972-202-904-9.

Cortesia de EDQuixote/JDACT

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