« Foi encantador, disse ele suavemente, volvendo a beijar-lhe o pescoço. – As pequenas pausas conferiram à melodia um toque comovente. Voltou-se, alinhando o tronco com o dela. Vós sois encantadora, sussurrou, aproximando a cabeça dela da sua. Ele deu-lhe um beijo quase lânguido. Mais um beijo amoroso do que um arroubo, que lentamente se tornava mais profundo, despertando algo dentro dela que ela não controlava, algo que se fizera expectante após longa abstinência. Uma expectativa deliciosa acordou e percorreu-lhe todo o corpo de uma forma escandalosa. Reyna devia afastá-lo, mas Melissa, a cortesã, certamente não o faria, e como tal aguentou, com a consciência dolorosa de que o seu sofrimento não era, nem de perto nem de longe, tanto como deveria ser. Tentou travar a sua reacção escandalosa e a sua mente desnorteada começou a entoar repetidamente uma ordem silenciosa, que ele dormisse, raios, que dormisse.
Ele
afastou-se dela. A expressão do seu rosto era indescritível. Calor. Desejo. A
promessa do prazer revelado. Estava apoiado num braço e o seu tronco nu quase
tocava no ombro dela. Aquela chama proibida dentro dela regozijou contra a sua
vontade. Ela não conseguia tirar os olhos daquele rosto incrível. Não conseguia
mexer-se. Não vos sintais constrangida, disse ele. Decerto é permitido que
desfruteis uma vez ou outra. Ele baixou o olhar e passou os dedos pela orla do
vestido dela, no alto dos seios. Curvou-se e beijou a pele exposta pelo decote
generoso. Ela sentiu o corpo inteiro ser percorrido pelo mais estranho dos
arrepios.
Observou,
hipnotizada, aquela mão libertar o seu ombro do tecido. É importante que ele
beba o vinho todo antes de tentar despir-vos. Recompôs-se. Inclinou-se para
trás e soltou um risinho forçado. Tentou comportar-se como a cortesã experimentada
determinada a conduzir o jogo de uma certa maneira. Já acabastes o vosso vinho,
disse, fazendo menção de pegar na garrafa de vidro e na taça. Deixai que vos
sirva mais um pouco. Carradas dele. Ele lançou-lhe um olhar que dizia que seria
à maneira dela, mas não durante muito mais tempo. Regressou para o almofadão e
deitou-se. Ela virou-se a tempo de ver a taça nos lábios dele.
Tentou
impor controlo ao sangue desassossegado das suas veias. Agora falamos, disse
ela com firmeza. Acabai o vosso vinho e dizei-me como viestes aqui parar. Sou
eu que falo? Sois vós a treinada na arte da conversação. Sou treinada para
ouvir. Os homens gostam de falar deles próprios, e nós ouvimos. Eu não tenho
prazer em falar de mim. Falai vós. Eu?
Sobre o quê? Podeis falar sobre mim.
Podeis dizer-me como sou belo e admirar o meu rosto e o meu corpo. As mulheres
fazem sempre isso. Fazem-no, deveras? Que conveniente ele vir recordar-lhe a
sua presunção precisamente quando precisava de ajuda para não gostar dele. Se
este garanhão enfatuado esperava vê-la a suspirar pela beleza dele, ele que
pensasse outra vez… Ela suspirou, de facto, mas pela inutilidade do rancor que
sentia. O vinho devia fazer efeito muito em breve. Deus sabia que ele tinha
bebido que chegasse. Com um esgar, virou-se para ele. Os olhos dele aparentavam
estar fechados. Ele pegou na mão dela e pousou-a no peito dele, o que fez com
que ela se aproximasse um pouco, e ela reparou que as pálpebras dele estavam um
tudo-nada abertas e que ele a observava. Não, ela talvez não se importasse minimamente
de o matar depois desta humilhação.
Ela
pôs um sorriso no rosto e começou a traçar com os dedos as linhas dos ombros e
dos músculos do peito dele. Dava voltas à cabeça à procura de frases apropriadas.
Sem dúvida que sois um homem muito bem-parecido. Olhos muito belos e um sorriso
encantador. E o vosso corpo é forte e atlético. Santo Deus, as cortesãs e
meretrizes mereciam decididamente cada centavo. Adormece, seu idiota presunçoso.
Não é entroncado e peludo como alguns guerreiros. Do que gostais mais? A voz
dele parecia sonolenta e arrastada. Hã… bem, estas concavidades ao longo da
vossa clavícula são muito atractivas. A mão dele ergueu-se, lânguida, e
envolveu-se no cabelo dela. Puxou-a delicadamente, encaminhado-lhe a cabeça
para baixo. Então beijai-as, senhora. E depois, tudo o resto. Não está o maior
talento de uma cortesã na sua boca?
Ela
apercebeu-se de que o seu rosto estava a centímetros do dele e daqueles olhos
ardentes que a olhavam por entre as pálpebras semicerradas. Os seios dela
pairavam mesmo acima dele, roçando-o ao de leve, e sentia um formigueiro no seu
corpo ridículo, traiçoeiro. Contrariada, dobrou o pescoço e encostou os lábios
à concavidade acima da clavícula dele. Pele. Calor. Aquele cheiro masculino
inebriante. Uma mão doce, mas dominadora na sua cabeça encaminhava-a mais para
baixo, para o peito. Adormece, maldito sejas. Ela beijou-lhe o peito e tentou
não prestar atenção à espantosa e assustadora intimidade que tal acção evocava.
Ele era o inimigo, um estranho, e ela odiava-o, mas algo dentr dela ignorava
isto.
Ele
conduziu-a mais para baixo, para o tronco, e barriga… De repente, a mão que
tinha na cabeça ficou mole. Ela susteve a respiração e aguardou pela
imobilidade absoluta que indicava que ele dormia. Cuidadosa, esgueirou-se para longe do corpo
dele. O braço dele caiu, lasso, ao lado do corpo. Puxou para si o cesto e
despejou o resto das empadas. Afastou o pano mal cosido que compunha um fundo
falso e cravou os olhos no punhal de aço escondido por baixo dele. Por Alice e
as outras mulheres. Sim, até por Margery. Por Reginald, e até mesmo por Thomas».
In
Madeline Hunter, Mil Noites de Paixão, 2002, Edições ASA, 2012, ISBN
978-989-231-672-7.
Cortesia de EASA/JDACT
JDACT, Madeline Hunter, Literatura, Idade Média,