sábado, 3 de setembro de 2011

J. Oliveira Martins. História de Portugal: A Separação de Portugal. «Era o primeiro sintoma de uma direcção nova, que se ia imprimindo na vida histórica nacional. Essa rotura da solidariedade, e a força da monarquia leonesa sob Afonso VII, serão dois motivos concorrentes para impedir que as tentativas do primeiro rei português tenham sobre o norte resultados eficazes»


D. Teresa
Cortesia de wikipedia 

A Separação de Portugal
«D. Afonso Henriques, o primeiro rei português, ou capitaneava ou era o pendão apenas, hipótese que e sua curta idade justifica, da revolta que tinha por chefes o arcebispo de Braga, D. Paio, Sueiro Mendes o «grosso», Ermigio Moniz, Sancho Nunes, ,genro da «Regina», Teresa, e Garcia Soares. Aos pactos de Braga sucedeu o encontro de Guimarães. A rainha, abraçada ao seu amante, vinha seguida por barões fiéis de aquém, e pelos barões de além Minho, que se tinham submetido a Afonso VII. A batalha decidiu-se pelo filho, e a rainha fugiu a esconder no condado do amante o desespero da derrota. De protectora, os acasos da guerra faziam-na agora protegida; e a história deve ainda ao conde galego a justiça de mencionar que a não abandonou, quando a viu despojada do poder e do título. Os prazeres da paixão acaso suavizariam à formosa filha do grande Afonso a infelicidade das armas, e porventura também o desespero maternal, se é que os vínculos de sangue tinham para a mãe um merecimento superior ao que tinham para o filho.

No seio da barbárie corrupta em que se revolvia, a Idade Média tinha, porém, não só o instinto dos deveres, inato nos homens, como o medo dos castigos divinos pregados por uma religião que até para o próprio clero baixara às condições de um quase fetichismo. As lendas contam que, vencedor, o filho encarcerara a mãe, e põem na boca de D. Teresa este anátema terrível:
  • «Afonso Henriques, meu filho, prendeste-me e meteste-me em ferros, e exerdaste-me da minha terra que me deixou meu padre, e quitaste-me de meu marido: rogo a Deus sejas assim como eu sou, e porque meteste ferros nos meus pés, quebradas sejam as tuas pernas com ferros. Mande Deus que isto assim seja!»

Cortesia de infoeuropaeurocid

E o anátema cumpriu-se em Badajoz, anos depois, porque Deus vingador não perdoava os crimes frequentes dos filhos contra os pais. Assim pensavam esses homens simples. À batalha de Guimarães ligava-se, porém, um alcance maior do que o de uma simples questão de família:
  • era a rotura da solidariedade entre as duas metades da Galiza, e a vitória da portuguesa sobre a leonesa.
Era o primeiro sintoma de uma direcção nova, que se ia imprimindo na vida histórica nacional. Essa rotura da solidariedade, e a força da monarquia leonesa sob Afonso VII, serão dois motivos concorrentes para impedir que as tentativas do primeiro rei português tenham sobre o norte resultados eficazes.
Logo depois de Guimarães, Afonso Henriques, preferindo o papel de invasor ao de atacado, procura reivindicar as fronteiras perdidas em 1127 por D. Teresa. Duas vezes invade a Galiza transminhota:
  • duas vezes é forçado a recuar, em 1130 e em 1132;
  • mas depois de Guimarães, depois da lide de Valdevez, em que os portugueses venceram, já a independência de facto estava conquistada.
Selados os preliminares de paz, Afonso Henriques ocupou-se em «acalmar» as terras do seu senhorio a fim de que nunca «lhe acontecesse outro tal desavisamento», e conquistou «todallas fortalezas de portugal assy como se fossem de mouros».

Quem era Afonso Henriques?
Já amestrado no ofício de reinar, à maneira por que então se entendia um tal ofício, o moço príncipe reunia as condições necessárias para consolidar uma independência até aí precária. Era audaz, temerário até, -pessoalmente bravo, qualidade nem tão comum no tempo, como a muitos casos pareça. Fraco general, ao que se vê, porque as batalhas travadas com as tropas leonesas perdeu-as sempre, era feliz guerrilheiro. Capitaneando um troço de soldados, caía de improviso sobre um lugar, e a fúria irresistível do ataque deu-lhe a maior parte das suas vitórias. Nem a grandeza das empresas o assustava, nem as distâncias o impediam de acudir a um tempo, do extremo norte, quase ao extremo sul do país.


Cortesia de externatoasvporg

A estes dotes militares reunia outros não menos valiosos, na precária situação em que se apossara do reino. Era seco, astuto, friamente ambicioso, sem quimeras nem ilusões. Era um espírito agudo e prático, e isso fazia boa parte da sua força. Mal dos políticos ao mesmo tempo apóstolos! Como a tenra haste que verga à mais leve brisa do canavial, assim Afonso Henriques, sem rebuços, obedecia, logo que a sorte lhe era adversa. Passada a tormenta erguia-se; e à facilidade astuta com que se humilhava, respondia logo a teima pérfida com que se rebelava. Isto fazia-o indomável. Tinha o quer que é de fugitivo, na sua política e no modo por que fazia a guerra. Ubíquo militarmente, era nos negócios um proteu. Os seus inimigos, leonesees, sarracenos, não achavam por onde prendê-lo.
Submisso e humilde quando se achava vencido, subscrevia a todas as condições, aceitava todas as durezas; para logo mentir a todas as promessas, rasgar todos os tratados, com uma franqueza ingénua, uma simplicidade natural que chegavam a espantar a própria Idade Média. Nem brios cavaleirosos, nem sentimentos de família, nem ódios pessoais, nem vinganças estupendas:
  • nenhuma quimera, nenhuma grande ambição, nenhum sentimento poético enchiam a sua cabeça, estreita, e inteiramente ocupada pela ideia fixa de consolidar a sua independência.
O predomínio absoluto de uma ideia prática, servida por uma inteligência lúcida, por um carácter sem grandeza, e por uma valentia provada, tornavam-no invencível, ainda mesmo quando era batido. A sua teima fazia-o semelhante a uma, lâmina de aço, um instante vergada por um esforço momentâneo, logo estendida quando livre, e impossível de manter curvada desde que se acha solta. O seu pensamento tinha a tenacidade da mola, e não a rijeza do bronze nem o peso do chumbo. Vivia dentro do seu Portugal como um javardo no seu refúgio. Assaltado, investia, despedaçando tudo com as fortes presas. Perseguido, fugia. Não tinha a nobreza do leão, nem a astúcia felina do tigre: possuía apenas a tenacidade brava e bronca do javali. Um fraco apenas lhe notam, embora os actos da sua vida não denunciem que esse defeito o prejudicasse muito. Gostava de ser adulado». In J. Oliveira Martins, História de Portugal, A Separação de Portugal, Guimarães e Cª Editores, 16 edição, 1972.

Cortesia de Guimarães Editores/JDACT