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Aparecimento e primórdios das Ordens Militares
O nascimento das ordens militares na Palestina
«A presença dos cruzados na Terra Santa teve como resultado imediato a criação de reinos cristãos nessa região, baseados em cidades e fortalezas situadas junto ao Mediterrâneo, por exemplo, Jaffa, a principal porta de acesso dos peregrinos que pretendiam chegar a Jerusalém, que os muçulmanos sempre procuraram recuperar. À situação de risco, acrescentava-se um deficit permanente de homens: os cruzados que aí demandavam não se mantinham na região, cumprida a promessa que os tinha levado a Jerusalém, regressavam ao seu país de origem, e os “colonizadores” chegavam a um ritmo demasiado lento. É neste contexto que, em data incerta mas certamente depois de Janeiro de 1120, um grupo de cavaleiros cruzados, fazendo os votos de pobreza, castidade e obediência, se compromete perante o patriarca de Jerusalém Gormundo a seguir uma vida de cónegos regulares e a proteger as caravanas de peregrinos. Como lhes foi dado para seu estabelecimento uma área do palácio de Balduíno II, anteriormente mesquita de AI-Aqsa, onde se acreditava ter existido em tempos o Templo de Salomão, este grupo de cruzados, chefiados por Hugo de Payens, depressa fica conhecido como Cavaleiros do Templo de Salomão, ou, simplesmente, Ordem ou milícia do Templo. A eles que as autoridades do Reino de Jerusalém vão entregar a segurança dos peregrinos.
São escassos os documentos relativos aos primeiros tempos da nova milícia. Sabe-se, contudo, que o seu crescimento foi lento, tanto mais que o número de cavaleiros não seria muito grande, e que, nesta primeira fase, não tinham uma regra oficializada e o expresso reconhecimento da Santa Sé. É também sabida a sua estreita ligação ao patriarca de Jerusalém, sobretudo a partir do momento em que aos cavaleiros são associados capelães, cuja função seria a de prestar o serviço religioso no seio da milícia. Mas mesmo sem um estatuto definido e aprovado por Roma, os cavaleiros obtiveram desde logo um inegável apoio de vários governantes europeus, o que não surpreende se tivermos em conta que alguns destes primeiros templários eram oriundos da nobreza.
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Em 1127, a ordem procura consolidar a sua existência e arranjar bases para o seu crescimento. É nesse sentido que Hugo de Payens, acompanhado de cinco cavaleiros, se desloca ao Ocidente, onde, para além de visitarem o Sumo Pontífice, participam no Concílio de Troyes, em Janeiro de 1129. É aí que, pela primeira vez, se estrutura em termos formais a vida da milícia. Discute-se o papel de S. Bernardo neste processo: uns dizem que o santo nada teve a ver com os inícios da Ordem, enquanto que outros afirmam que a regra promulgada em Troyes é da sua autoria. O certo é que S. Bernardo teve um grande protagonismo nesta reunião e que dela saiu uma Regra que consubstanciava os costumes não escritos dos cavaleiros. No seu conjunto, a Regra era beneditina, mas a adaptação à actividade militar dava-lhe uma originalidade assinalável, ao mesmo tempo que afastava as características de mera confraria de observância agostiniana. Assim, e por exemplo, a assistência aos ofícios divinos sobrepunha-se às obrigações dos freires, mas podia ser substituída por determinadas orações quando estavam em serviço militar.
Hugo de Payens morre em 1136. Poucos anos mais tarde, Inocêncio II, pela Bula Datum Optimum (1138), reconhece os privilégios dos Templários e acrescenta-lhes outros fundamentais para o seu crescimento, nomeadamente os que reforçam a sua liberdade face aos poderes episcopais. Depois daquele, outros pontífices prosseguiram na defesa da guerra com fim religioso, apoiando a nova milícia, permitindo a esta, entre outros privilégios, poder dispor de igrejas próprias. A importância, em termos políticos, da Regra aprovada em Troyes e dos diferentes diplomas pontifícios outorgados em favor dos Templários, foi assinalável. Efectivamente, eles deram não só a protecção imediata da Santa Sé à nova instituição, mas também uma autonomia aos cavaleiros relativamente ao Patriarca de Jerusalém, nomeadamente no que diz respeito à nomeação dos capelães e escolha do seu mestre, já que os referidos documentos reconhecem a possibilidade de apenas os freires elegerem o seu mestre, sem qualquer interferência por parte do poder episcopal.
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Antes, porém, da Ordem do Templo surgira em Jerusalém uma outra ordem com um objectivo unicamente assistencial cuja vocação era cuidar dos peregrinos doentes, nomeadamente no Ultramar: a Ordem dos Pobres Peregrinos de S. João de Jerusalém, ou, mais comummente, a Ordem de S. João do Hospital. Contudo, a sua inserção no mundo das cruzadas fez com que, lentamente, esta instituição adquirisse características de ordem militar, que se viriam a revelar preponderantes no século XIII.
A raiz da Ordem do Hospital encontra-se num hospício, associado ao mosteiro beneditino de Santa Maria Latina, construído na Cidade Santa por comerciantes de Amalfi antes de meados do século XI, e cujo objectivo era o acolhimento dos peregrinos doentes que aí chegavam. A conquista de Jerusalém em 1099 trouxe consigo o crescimento desse hospital pré-cruzado, convertendo a dependência monacal numa entidade cada vez mais autónoma, ainda que, numa primeira fase, ligada à Ordem do Santo Sepulcro. A pedido da própria milícia, a protecção apostólica é dada em 1113 (Bula Piae Postulatio), tendo os privilégios papais que se lhe seguiram assegurado a autonomia da instituição relativamente aos prelados diocesanos, privilégios que culminaram, como aliás aconteceu com a Ordem do Templo, com a faculdade de dispor de clero próprio, desligado da jurisdição episcopal. Assim, fazia-se depender a nova ordem unicamente do papado, apesar da resistência dos bispos a esta política.
À morte do seu primeiro mestre, Gérard de Martigues, ocorrida em 1119, a Ordem de S. João do Hospital revestia-se ainda de um cariz basicamente assistencial. É só com Raimundo de Puy, segundo mestre, que os cavaleiros de S. João associam os fins militares aos assistenciais. Tal aconteceu num período em que os estados cruzados necessitavam de forças militares adicionais, isto é, depois da segunda metade do século XII, quando a debilidade monárquica e nobiliárquica obrigou a concentrar nesta Ordem Militar não só a segurança dos peregrinos e seus bens, mas também parte da responsabilidade da defesa das localidades cristãs da Terra Santa. A adopção de tarefas militares não implicou contudo o abandono da vocação inicial: as duas vertentes, longe de serem contrapostas, eram complementares, pois ambas se apresentavam aos cavaleiros como caminho de perfeição espiritual». In Maria Cristina A. Cunha, Estudos sobre a Ordem de Avis, séculos XII-XV, Faculdade de Letras, Biblioteca Digital, Porto, 2009.
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