terça-feira, 16 de julho de 2013

A Comenta Secreta. Que segredos guardam Afonso Henriques e o mestre templário Gualdim Pais? Maria João Pardal e Ezequiel Marinho. «O seu olhar era agora de esperança. Estava na hora... tinha chegado o momento... “a sua missão começava aqui!” Estando certo do seu dever para com o rei e dos ideais que juntos partilhavam…»

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O Mensageiro
«(…) Reconstruir uma igreja?!!! - exclamou, de repente, Gualdim, estupefacto, depois de ter lido a mensagem contida no manuscrito. -
Em Nabância?!!! [Nabância, Theodomar, Thomar ou Sellium são os nomes que tomou a cidade de Tomar ao longo dos tempos] Gualdim Pais continuou a ler e a sua expressão tornou-se mais séria ainda. Deu dois passos em direcção à luz e repousou, por breves minutos, o olhar pensativo no castelo que se avistava lá ao longe, através de uma das janelas do salão. Os olhares dos dois homens que o acompanhavam com a presença naquele salão recaíam sobre si próprio. - Será que…? - o relinchar dos cavalos lá fora interrompeu-lhe os pensamentos. Um homem embriagado caíra nos bebedouros, onde os animais saciavam a sede, e provocara uma algaraviada de risos e comentários, que vinham da rua.
 - Renato... - falou o Mestre num tom decidido, conduz o nosso convidado às cozinhas. Que lhe seja servida uma refeição e concedido descanso. Quero ficar a sós!
O jovem escudeiro levou o homem a uma cozinha farta, onde sobressaíam as cores e paladares do campo. Num pequeno alguidar de madeira, podia ver-se o tom rosado das amoras silvestres, noutro um pouco maior, a frescura das verduras, noutro ainda o peixe seco variado e pairando no ar, um saboroso aroma a galo do campo assado. O mensageiro sentou-se e, duas mulheres fortes, de faces rosadas e atributos salientes, colocaram-lhe sobre a mesa pratos e copos de barro, onde lhe verteram, de uma quartinha, um aromático vinho de Collares.
A comitiva de Henrique de Borgonha tinha-se feito acompanhar, desde Dijon, de alguns oleiros e ceramistas, por isso, no condado, desde cedo as refeições começaram a ser servidas em pratos [na época era frequente utilizar a côdea do pão, como prato]. Entretanto no salão, Gualdim imobilizava-se junto à janela... não tinha manifestado todo o conteúdo da missiva. Estava apreensivo. Olhou novamente para o manuscrito que segurava nas mãos. Enquanto lia e relia as palavras de Sua Majestade andava em círculos pela sala, detendo-se, de quando em quando, junto à janela. Seguido do selo do monarca, de leitura quase imperceptível, via-se escrito Santa Maria e imediatamente abaixo, via-se o desenho de uma serpente no qual estava assinalada a letra M, tudo no canto inferior direito.
 - O Abraxas! - pensou Gualdim, recordando a sua passagem pelo Egipto, onde tomara contacto com as crenças gnósticas. Já tinha visto um selo semelhante àquele no qual figurava uma personagem com cabeça de galo, cujo corpo estava coberto por uma armadura, do qual saíam duas serpentes em vez de duas pernas, cada uma com duas cabeças. Mas esse era um dos símbolos secretos da Ordem. A cruz figurava nele por cima do ser com cabeça de galo e era acompanhado da inscrição Secretum Templi. Cria-se que o Abraxas dava vigilância, poder e sabedoria. Aquele que anuncia a chegada da Luz, a personagem com cabeça de galo, era aqui representada como o despertado. Mas a serpente... – pensava ele - ... era o símbolo da salvação, que Moisés tinha colocado sobre um pau. Quem olhasse para ela seria salvo do seu infortúnio. Era a protectora da sabedoria escondida. A serpente... letra M... qual seria o objectivo do rei? Teria por certo a ver com o reino... a Ofiusa... a terra da serpente - pensava Gualdim, em silêncio.
 - Temos de partir quanto antes... tenho que reunir a comparsaria, e preparar a viagem. Não há tempo a perder, quero ver se partimos em menos de uma semana! - disse para si, Gualdim Pais, enquanto se dirigia à porta.

Hugues de Payns havia chefiado alguns anos antes um conjunto de cavaleiros, ordenados para o seu serviço, renunciando ao mundo e consagrando-se a Cristo, na protecção dos peregrinos e da Cidade Santa de Jerusalém. Entre esses homens que se dirigiam ao monte Moriah estavam André de Montbard, Geoffroy de Saint-Ometr Hugues Rigaud, Archambaud de Saint-Aignan, Nivard de Montdidier Rossal, Geoffroy Bissol e Gondomar, que se presume ser português [há alguns autores que fazem referência ao cavaleiro e 5º Mestre da Ordem do Templo em Portugal, fr. Pedro Arnaldo, como sendo o nono cavaleiro: Gondomar, provavelmente, visto ser natural desta terra, ao que tudo indica, e haver documentação que se refere a um dito cavaleiro Arnaldo (da Rocha), que poderá guiar-nos até à sua pessoa]. Dirigiu-se à Terra Santa, nesta cruzada, um grupo de nove cavaleiros, todos homens veneráveis. Tomando o tríplice voto de Castidade Pobreza e Obediência, dedicaram as suas vidas, dali até à morte, à protecção dos peregrinos e à garantia do Reino de Cristo. Foram mais tarde chamados Cavaleiros do Templo de Salomão, ou simplesmente os Templários. A nobre missão destes nove homens foi dignificada com a atribuição de terras e benefícios por parte de reis e cónegos, para proverem às suas necessidades, merecendo o reconhecimento do patriarca de Jerusalém, às mãos de quem prestaram juramento de obediência. O então novo Rei de Jerusalém, Balduíno II, que sucedera seu primo Balduíno I, logo viu na atitude dos nobres e valorosos cavaleiros algo de grande valor e importância. O Concílio de Troyes, trouxe-lhes a Regra e o hábito branco, símbolo de inocência, no qual foi inscrita a cruz vermelha, pelo martírio. Por outro lado, também se sabe que estes nove cavaleiros entraram muito poucas vezes em campanha, enquanto estiveram na Terra Santa.

Gualdim assistira, em Braga, ao juramento d'El-Rei Afonso Henriques, familiar em segundo grau de Hugues de Payns e do abade de Claraval. Era ainda companheiro de Pedro Afonso, filho bastardo do monarca e Mestre de Avis [a Ordem de Avis é dissidente da Ordem de Calatrava, que teve origem em Espanha. Foi fundada por Afonso Henriques quando alguns frades se radicaram em Évora, tendo ficado conhecidos pelos Freires de Évora. Em 1211, Afonso II doou-lhes o lugar de Avis, e pensa-se que nessa época, a ordem portuguesa já tivesse um estatuto independente embora continuasse subordinada à castelhana]. Sabia que o rei tinha uma missão maior. Sua Majestade queria encontrar-se com ele em Al-Cobaxa! (designação árabe para Alcobaça). O seu olhar era agora de esperança. Estava na hora... tinha chegado o momento... a sua missão começava aqui! Estando certo do seu dever para com o rei e dos ideais que juntos partilhavam e defendiam, começou a preparar mentalmente a viagem. Necessitava de pessoal para trabalhar e de um Mestre canteiro».

In Maria João Martins Pardal e Ezequiel Passos Marinho, A Comenda Secreta, Ésquilo, Lisboa, 2005, ISBN 972-8605-58-7.

Cortesia de Ésquilo/JDACT