Uma Infanta na Historiografia
«(…) Baseando-se praticamente só em frei Miguel Pacheco e em Carolina
Michaëlis Vasconcelos, foram as páginas assinadas por Olga Morais Sarmento (1909),
conde de Sabugosa (1912), António Santos Carreta Cotta (1924), Teresa Leitão
Barros (1924 e 1949), Berta Leite (1940) e Maria Augusta Forjaz Trigueiros (1943).
Entretanto, mais inovadores foram trabalhos de Anselmo Braancamp Freire
(1919), José Figueiredo (1927), Domingos Maurício (1933), Carlos Cunha Coutinho
(1936), Jean-Baptiste Aquaronne (1940), José Castro (1942) e Durval Pires Lima (1946).
Esclareceram aspectos diversos da biografia da infanta D. Maria,
chamaram a atenção para problemas ou forneceram dados documentais
insuspeitados.
Joaquim Veríssimo Serrão, com uma das suas teses de doutoramento, a que
defendeu em Toulouse em 1953 e publicou em Lisboa dois anos depois, representou
outro marco na historiografia sobre a filha mais nova de Manuel I, se bem que
centrada na questão do património da mesma em França.
Nos últimos 50 anos, vieram à luz contribuições parcelares, tão
diferentes como as de Alexandre Lucena Vale (1962, 1964 e1970), Américo Costa
Ramalho (1985-1986 e 1995), Gabriel Paiva Domingues (1975), António Oliveira
(1992), Mónica Anunciata Duarte Almeida (1997), Maria Fátima Reis (2007). Mais
importante foi, em 1998, o livro de Carla Alferes Pinto, cujo texto já era
conhecido há seis anos, ainda que por um público mais restrito, quando foi
apresentado no contexto de uma prova académica. Tendo como objectivo o estudo
do mecenato de D. Maria, acabou por ter um outro mérito, o de colocar ou
recolocar questões tocantes à biografia da infanta.
A filha de Manuel I e D. Leonor tem surgido ainda em páginas de
historiadores que não tinham, contudo, a sua figura como objectivo último. São
os casos de Maria Rosário Themudo Barata (1992), Isabel Drumond Braga (2001),
Ana Isabel Buescu (2005 e 2007) e Maria Augusta Lima Cruz (2006). Os dados que
revelaram ou recordaram e as interpretações que fizeram de alguns aspectos da
biografia da infanta são de inestimável interesse e utilidade.
Por último, acrescente-se que D. Maria, que, surgira já em entradas
biográficas de dicionários e enciclopédias, tem igualmente continuado, em anos
mais recentes, a merecer a atenção de divulgadores de temas históricos.
Um Retrato. Traços Físicos e psicológicos
Os homens do século XVI, propensos por natureza a adular as figuras
reais e detentores de critérios de beleza diversos dos da actualidade,
consideraram a infanta D. Maria uma mulher bela. Foram os casos de André de
Resende, que, cerca de 1545, a disse
de
rosto formosíssimo; de Jorge Ferreira Vasconcelos, que a viu num
torneio realizado em 1552 e lhe
chamou formosa Minerva [...] assim em rara gentileza e subtil engenho, como
toda outra sobre-humana perfeição de Brantôme, que a conheceu em 1564, e a considerou grande
en tout, além de une très-belle et agréable fille, de bonne
grâce, de belle apparance, douce, agréable; deJean Nicot, embaixador de
França, por ela recebido em 1569, e
que, em missiva a Catarina de Médicis, regente da França em nome de Francisco
II, a classificou como une belle princesse; e ainda de
Giovanni Batista Venturino Fabriano, relator da viagem do cardeal Alexandrino
que, em 1571, se lhe referiu como robusta
e formosa, além de alta. Segundo o mesmo, aparentava ter menos
do que 50 anos. Um século mais tarde, alguém que a não conheceu, frei Miguel
Pacheco, escreveu: fue ella de singular hermosura. Em tempos mais recentes, os
juízos alteraram-se. Se, para Carolina Michaëlis Vasconcelos, D. Maria era detentora
de formusura
suavissima, já outro autor, José Figueiredo, notou que o nariz em nada
a beneficiava. Por seu turno, Júlio Dantas salientou os exofrlamos e o lábio
austro-borgonhês, hipertrofiado, de que já a mãe se orgulhava, em Dijon, ao
fazer abrir os túmulos dos duques de Borgonha.
Perante tudo o que fica exposto, bem como pela observação dos retratos
de D. Maria, talvez seja possível concluir que a infanta esteve longe de ser bela. Terá sido uma mulher alta, de
tez branca, cabelos entre o castanho claro e o louro escuro, o rosto ovalado, a
testa alta, os olhos claros, alguma exoftalmia, o nariz ligeiramente grande e
os lábios um pouco grossos, típicos dos Habsburgos.
Conhecem-se vários quadros contemporâneos representando D. Maria, ao
mesmo tempo que se sabe de outros que, tendo existido, não chegaram até nós. Em
1541 ou 1542, o pintor francês Antoine Trouvéon, enviado a Portugal pela
rainha D. Leonor, terá feito um desenho a carvão sobre papel. É uma das suas
representações iconográficas mais conhecidas, tendo servido de base a-uma nota
de banco que circulou em Portugal no século passado. Pode ser admirado no Musée
Condé, em Chantilly (França).
Pela mesma época, Francisco Holanda fez um retrato da infanta que
desapareceu. Idêntico destino teve um outro quadro do mesmo autor, datável
entre 1541 e 1545, mas que foi copiado no século XVII, destinando-se à Irmandade
das Escravas do Santíssimo Sacramento. De 1552,
há um óleo sobre tela da autoria de Anthonis Mor Van Dashors, pintor que na
Península Ibérica foi geralmente conhecido como António Moro. O mesmo terá sido
elaborado para quem estava então para casar com D. Maria, o futuro Filipe II.
Este, provavelmente ofereceu-o depois a uma das irmãs, a princesa D. Joana, mãe
de Sebastião I. Está hoje no Convento das Descalças Reais, em Madrid. A infanta
surge sentada e coberta de jóias, exibindo um leque e um par de luvas.
O retrato de Anthonis Mor foi várias vezes copiado: a primeira, em 1552 ou 1553, por Alonso Sanchez Coello, para Maria da Hungria, tia materna
da infanta. O mesmo integrou depois a colecção de Filipe II, mas não chegou aos
nossos dias, tendo provavelmente desaparecido no incêndio do Palácio do Pardo,
ocorrido em 1604. Ainda nos anos 50
de Quinhentos, nova cópia foi feita, provavelmente por Francisco Holanda. Desta
vez, surgiu uma miniatura que se conserva em Parma, na Galeria Nacional. Terá
sido da colecção de uma sobrinha da infanta, também chamada Maria, princesa de
Parma. Durante muito tempo, pensou-se mesmo tratar-se da própria filha do
infante Duarte, atendendo à homonimia. Uma outra miniatura chegou à actualidade.
Trata-se da terceira cópia que se conhece do óleo de Anthonis Mor. Pertenceu a Fernando
II do Tirol e pode ser apreciada no Kunsthistorisches Museum, em Viena.
Ainda a partir do mesmo quadro do consagrado pintor flamengo, Hans Collaert e
de Hieronymous Cock realizaram, cerca de 1556-1560, uma gravura da infanta D.
Maria, impressa em Antuérpia e que faz parte dos espólios de vários museus e
bibliotecas peninsulares (Bibliotecas Nacionais de Portugal e de Espanha e
Fundação Lazaro Galdiano, de Madrid).
Finalmente, D. Maria também surge numa tábua de Francisco Holanda, de 1552-1553,
junto ao papa Júlio III e a vários membros da sua família, tendo como motivo
central Santa Maria de Belém, que se acha ladeada por São Jerónimo e Santo
Agostinho. A obra foi encomendada por seu sobrinho Duarte e destinava-se ao
coro do mosteiro dos Jerónimos. Conserva-se hoje no Museu Nacional de Arte
Antiga, em Lisboa».
In Paulo Drumond Braga, D. Maria, 1521-1577, Uma Infanta no Portugal de
Quinhentos, Edições Colibri, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-689-244-9.
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