sexta-feira, 5 de julho de 2013

Dona Teresa. A Primeira Rainha de Portugal. Prefácio de G. Oliveira Martins. Marsilio Cassotti. «”Mumadona” beneficiava de um recurso que faltava à sua cunhada ‘Aragonta’. A sua mãe, a condessa Onega, neta de Vímara Peres, conquistador da cidade do Porto e fundador da cidade de Guimarães»

Mumadona Dias
jdact

As Antepassadas Portucalenses (783-1014)
«(…) Segundo narra uma crónica, por questões de protocolo Elvira devia chamar ao marido Serenissimus Imperator na presença da corte, título que aparecia nos documentos régios para esclarecer os outros potentados cristãos da Península que o de Leão estava acima de todos eles. De acordo com essa mesma fonte, a presença da rainha nos actos da cúria cortesã era algo habitual, o que demonstraria uma especial consideração por parte do marido. Lamentavelmente para este, a vida de Elvira seria relativamente breve, como a da maioria das mulheres casadas naqueles tempos. Num dia que se desconhece de 921, adoeceu gravemente. O rei encontrava-se fora da corte em campanha e, quando regressou vitorioso, ela tinha morrido. Relata outra crónica, bem conhecida de Teresa, que o seu real antepassado sentiu então tanta dor pelo seu falecimento quanto tinha sido o gozo do triunfo logrado naquelas jornadas. O óbito teve lugar em Zamora. Apesar disso, a educação e a criação que Elvira Mendes tinha dado ao seu filho Ramiro em Viseu estabeleceria uma relação especial com aquelas terras, que seria decisiva para alguns dos seus descendentes ... e levá-los-ia a procurar esposa entre as grandes famílias que conheceram na sua meninice.
A morte da rainha Elvira Mendes significou o início dos problemas para Aragonta Gonçalves, rainha de Leão de estirpe portucalense, antepassada pelo lado paterno de Teresa, que viveu seis gerações antes dela. Os inconvenientes não seriam de menor importância para o pai, Gonçalo Betote, conde de Deza e um dos mais importantes repovoadores de Guimarães, morreu por volta do ano 929, quando soube que a sua filha mais nova tinha sido escolhida para ocupar o trono de Leão de imediato, pois para isso tinha de casar com Ordoño II, que nos seus cinquenta anos seria considerado, naqueles tempos, um homem bastante velho.
A necessidade de contar com a protecção de parentes na corte leonesa não era algo que pudessem desdenhar nem sequer as famílias ricas e poderosas como a dela, pelo que se resignaria logo, embora o reinado de Aragonta, e portanto a sua influência, estivesse destinado a ser breve. Menos satisfeita estaria a jovem prometida, sabendo que por morte do marido teria de se retirar para um convento. É possível que a concertação deste casamento, nada vantajoso dada a idade e doença do marido, tivesse alguma coisa a ver com a cunhada de Aragonta, Mumadona Dias, condessa de Guimarães (900-968), fundadora do célebre mosteiro dessa cidade. Talvez esperasse que a sua única filha, Onega, casasse com Ramiro, herdeiro potencial da coro a de Leão. Mumadona propiciaria o casamento da mais jovem das suas cunhadas com o achaquento Ordoño para manter livre o melhor lugar para a filha. Não lhe faltava capacidade para levar a cabo essa pequena intriga cortesã, uma vez que, pela sua inteligência e carácter empreendedor, até, fora do âmbito religioso, esta antepassada directa de Teresa (seis gerações antes) seria uma das personagens da família mais influentes na corte leonesa.

NOTA: Para além do seu estreito parentesco com a casa real, Mumadona beneficiava de um recurso que faltava à sua cunhada Aragonta. A sua mãe, a condessa Onega, neta de Vímara Peres, conquistador da cidade do Porto e fundador da cidade de Guimarães, tinha sido a ama de Ramiro, uma espécie de segunda mãe para o infante. Segundo os costumes da época, Mumadona tinha dado o nome da sua progenitora à filha mais nova, talvez outro modo subtil de atrair a atenção de Ramiro. Em qualquer dos casos, as relações deste com a família da sua ama eram de grande familiaridade, a tal ponto que, nos documentos, Ramiro chamava a Mumadona conlaza, ou irmã de leite. Sempre que ele regressava a Viseu de alguma das suas campanhas em territórios muçulmanos, costumava ir visitar a sua mãe de empréstimo, D. Onega e oferecia-lhe algum presente, fruto dos seus saques. Do seu afecto por ela e pela sua filha dariam prova, para além do mais, várias doações registadas nos cartulários dos conventos. Por exemplo a da vila de Creixomil a Mumadona Dias.
Uma das primas de Aragonta pelo lado materno (Eriz) tinha-se casado com um nobre que não era bem visto pelos seus pais. Sánchez Albornoz. Estudios sobre las instituciones medievales españolas, México, 1965.

Regressando à infeliz Aragonta, o maior problema que se lhe apresentava ao casar com Ordoño era o de se tornar rainha consorte de um soberano com os pés para cova. Há muitos séculos que a Igreja Católica tinha estabelecido que para que um matrimónio fosse válido devia contar também com o consentimento da esposa, mas uma coisa era dizer que não a um pai e outra, dizer que não a um rei. Se tivesse podido argumentar que ele se dedicava a práticas sodomitas, a lei visigoda teria estado do seu lado, e a Igreia, sem dúvida, também teria saído em sua defesa, mas esse não era o caso de Ordoño. A única tábua de salvação que lhe restava era tornar-se freira e enclausurar-se num convento».

In Marsilio Cassotti, D. Teresa, A Primeira Rainha de Portugal, Prefácio de G. Oliveira Martins, Attilio Locatelli, A Esfera dos Livros, 2008, ISBN 978-989-626-119-1.

Cortesia da Esfera dos Livros/JDACT