De como o cavaleiro começou a sua narrativa
«(…) Desagradou-lhe que a amiga fosse dada de presente, em troca de
prebendas e honras para o Infante. Mas, sobretudo, ficou desesperada ante a
certeza de que Constança, a única referência fixa da sua vida, deveria
mudar-se para além do Douro. De novo, como quando era criança, voltou a sentir
a angústia de crer que estava só e desamparada. Não foi assim. Horas mais tarde,
depois de convidados e familiares se terem retirado e de se ter visto livre de
conversas e de compromissos, Constança foi à procura de Inês.
Encontrou-a num dos terraços do castelo, encolhida e chorosa. Uma vez mais
conseguira enganar D. Maria e tinha-se escapado das abóbadas de pedra para, a
céu aberto, falar com as estrelas. Constança aproximou-se e sentou-se
ao lado dela. - A que se devem essas lágrimas? Acaso pensaste que
me ia embora sem ti? Inês abraçou-se à amiga.
- Ouve. Falei com o meu pai.
Pedi-lhe que vás comigo. Não posso, não quero separar-me de ti. O que ia ser de
mim, numa terra estranha, se não pudesse contar com a tua alegria, sem a tua força? Repara que não sou como tu.
Eras ainda uma criança quando chegaste a Peñafiel e logo nessa altura soube que
nos completávamos. Tu dás-me o ânimo de que careço. Fazes-me ver a luz e a cor
de cada dia, de cada hora. Em troca, procuro que sossegues e arranjo-te coisas
vulgares de que nem imaginas necessitar. Não, Inês. Não podem separar-nos.
Que sei eu acerca do que me espera para além
do Douro? Que sabes tu acerca daquilo que a vida te trará? Temos de descobri-lo juntas.
Inês encarou-a, de olhos bem abertos. Com os olhos ainda cheios
de lágrimas, sorriu e fez um gesto de assentimento. E depois, como se
procurasse a mãe ausente, descansou a cabeça no regaço da amiga. Ficaram assim
até que as sobressaltou a voz aguda de Maria:
- Menina Inês! Menina Inês!
Louvado seja Deus que vos encontro! Leonor, vinde, estão aqui as duas. D.
Blanca perguntou-nos por vós e não soubemos responder. Ides apanhar um
resfriamento com a humidade da noite. Vamos! São horas de recolher! Com uma
atitude quase infantil, Inês e Constança obedeceram às
ordens imperiosas das amas. Decerto eram horas de descansar. Apenas dispunham
de uns meses para preparar aquela que se anunciava como a grande viagem das
suas vidas.
Um amor que confunde palácios e governos
A partida não foi tão rápida quanto se esperava. Os ventos de guerra
voltaram a pôr frente a frente o monarca castelhano e o infante João Manuel, e
o Rei de Portugal não se manteve de fora. Depois, as duas coroas resolveram
voltar-se contra os mouros. Portanto, a guerra tornou-se inevitável e devia
conduzir à assinatura de uma nova paz que permitisse ao Rei de Castela aceitar
como Rainha de Portugal aquela que um dia desprezara como companheira de trono
e de leito.
Assim, entre guerras e pendências, passaram-se quase dois anos desde o
anúncio da boda. Constança, já afectada por uma má experiência, desesperava ao
pensar que o seu futuro não passava pelo casamento. Inês partilhava do
desespero da amiga não tanto por ter pressa de se casar, pois não havia promessa
de amores no horizonte, mas por sentir-se presa numa espiral de interesses, amizades
e inimizades que lhe eram totalmente estranhas. Conforme era costume, Constança
procurava resignar-se, enquanto Inês discorria sobre a difícil condição
do seu sexo. Porém, para não piorar a disposição da amiga, calava as preocupações
e dava menos importância ao assunto. Por fim, uma vez apaziguado o reino, a
viagem foi fixada para o final da Primavera de 1339. No dia da partida, Inês despertou presa de uma grande
agitação: - Vamos, Constança! Como
podeis estar ainda a dormir? Levantai-vos, temos de partir.
In Inês de Castro, María Pilar Queralt de Hierro, Editorial Presença,
Lisboa, 2006, ISBN 978-972-23-3081-7.
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