quinta-feira, 18 de julho de 2013

Um Percurso Humano e Político nas Origens da Modernidade em Portugal. D. João II. Manuela Mendonça. «… com quanto a Raynha he muy virtuosa e muy discreta, e amiga de Deos, nunca vy moor vergonha, e abatimento nosso, que sermos regidos por ella; pois he molher, e mays estrangeira»

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«Braços cruzados, fita além do mar, parece em promontório uma alta serra, o limite da terra a dominar o mar que possa haver além da terra. In Fernando Pessoa, ‘Mensagem’

O Príncipe João. Educação e Ambiente. A Corte
«(…) Se todo o comportamento resulta da interacção de factores genéticos e ambientais, o conhecimento das contradiçÕes da corte no seio da qual o príncipe nasceu e foi educado facilita o entendimento dum carácter rico, moldado entre influências múltiplas, mas certamente desajustadas, como eram as que se cruzavam na corte onde crescia o futuro monarca, filho, em última análise, de dois potenciais adversários: Afonso V cuja mãe, D. Leonor, fora a rainha-regente e D. Isabel filha de Pedro, o Regente que substituiu D. Leonor durante a menoridade do Rei. Esta substituiçao não fora pacífica nem isenta de divisão social, distanciando os que pensavam como o Infante João [trata-se de João filho de João I, irmão do rei Duarte e, portanto, tio de Afonso V. Este infante casou com uma sobrinha, D. Isabel, filha do futuro duque de Bragança, o bastardo de João I, Afonso e de D. Brites Pereira, filha de Nuno Alvares Pereira. Do casamento de João com D. Isabel nasceria D. Beatriz que, casando com Fernando, irmão de Afonso V, viria a ser a mãe da mulher de João II, D. Leonor], cuja mentalidade assim se manifestava: com quanto a Raynha he muy virtuosa e muy discreta, e amiga de Deos, nunca vy moor vergonha, e abatimento nosso, que sermos regidos por ella; pois he molher, e mays estrangeira; o Infante Pedro comungava esta corrente de pensamento e, sendo a alternativa na regência, ficara em oposição à Rainha-Regente e ao seu partido. A inimizade criada por uma cisão num tronco comum, a dinastia de Avis, colocaria os esposos em posições frontalmente adversas. Essa luta de dois partidos rivais foi já exaustivamente estudada por Humberto Baquero Moreno; parece, contudo, necessário retomar alguns aspectos que consideramos fundamentais à sequência do nosso trabalho. As inimizades patentes na corte durante o período de regência e que fariam de Afonso V e D. Isabel dois potenciais adversários, entroncavam já, pelo lado materno, em questões antigas e rivalidades políticas vividas por duas mulheres, Leonor, viúva do monarca Duarte e Isabel casada com o Regente Pedro, nas suas terras de origem.
Filhas de Fernando de Aragão e do conde de Urgel, respectivamente, assistiram às disputas de seus pais pela mesma coroa de Aragão. O facto da Rainha-Regente ser filha do lider do partido vencedor em Aragão certamente não esteve ausente nas relações entre as duas cunhadas e necessariamente teve as suas influências psicológicas no momento em que a mulher do Regente Pedro, filha do chefe do partido derrotado encontrou em Portugal terreno propício à vingança política. É, pois, provável que também ela incitasse Pedro a disputar a regência à viúva de Duarte. Todas estas circunstâncias levaram a que o período de dez anos de regência, que se seguiu à morte do rei Eloquente, visse crescer na corte uma série de lutas de ordem política, em que avultam as intrigas palacianas, os convénios feitos e desfeitos, as conjuras dos descontentes, as hipocrisias, as deserções, as traições, vindo a ter o triste desfecho de Alfarrobeira.
Foi já este o ambiente de oposição e divisão que viu crescer o rei Afonso e que, continuado ao longo do seu posterior reinado, viria a ter significativas e determinantes influências na personalidade de João, personalidade que, no estado actual da psicologia, representa o mais alto nível de organização dos sistemas cognitivo, afectivo e do comportamento do indivíduo. Numa personalidade as determinantes genéticas manifestam-se através da estrutura orgânica e constitucional do indivíduo. Os factores ambientais incluem as circunstâncias pré-natais, as experiências infantis, as constelações familiares e as relações entre pais e filhos. Incluem também as influências culturais e subculturais institucionalizadas mais amplas, transmitidas pela escola e pela igreja, bem como as influências que resultam da participação em grupos étnicos, religiosos e sociais».

In Manuela Mendonça, D. João II, Um Percurso Humano e Político nas Origens da Modernidade em Portugal, Imprensa Universitária 87, Editorial Estampa, Lisboa, 1991, ISBN 972-33-0789-8.

Cortesia de Estampa/JDACT