segunda-feira, 22 de julho de 2013

Monarcas Infelizes. Henrique III. França. Soberano Assassinado por um Fanático Religioso. Américo Faria. «… o depravado Valois tivesse conseguido governar com felicidade, dados os cuidados absorventes de favoritos jovens, que a História apelidou de ‘Mignons’…»

jdact e wikipedia

«(…) Em tão efervescente ambiente era difícil produzir-se a obra útil, construtiva, de que o país tanto carecia para o seu desenvolvimento. Aliás, é duvidoso que, mesmo operando numa atmosfera social pacífica, o depravado Valois tivesse conseguido governar com felicidade, dados os cuidados absorventes que lhe merecia a sua corte de favoritos jovens, que a História apelidou de Mignons e com os quais passava o melhor do seu tempo, descurando os negócios do Estado. No entanto, tornava-se absolutamente necessário que os ânimos serenassem, para que a nação pudesse trabalhar em paz. Os mais atentos observadores reconheciam a dificuldade, quase impossibilidade, de humanamente se levar a termo tão gigantesca tarefa, sem o derramamento de muito sangue.
Eles compreendiam que a religião não podia entrar à força nos espíritos; antes devia ser pela persuasão e pelos bons exemplos, por uma propaganda eficaz, em suma, que ela deveria divulgar-se, conquistar novos adeptos. As antigas Cruzadas, exceptuada a acção puramente punitiva, jamais deram outro resultado que não fosse o fortalecimento da fé do inimigo da Cristandade. Mas é de acreditar que ao próprio soberano não repugnasse empregar a força contra os súbditos, visto a participação activa que no reinado precedente ele tivera na matança de S. Bartolomeu. Henrique de Valois, vendo o desenvolvimento que a Liga tomava e que punha em perigo a coroa que lhe cingia a fronte, efectua, então, o seu audaz golpe político durante os Estados de Blois, em 1576, ao declarar-se inesperadamente chefe único da já forte organização. Seguia o conselho da mãe, sagaz e fanática, e que de forma alguma queria perder o poder.
Com tal medida, a que não se pode negar o título de inteligente, pretendia anular os esforços de Guise para o destronar ou obrigá-lo a manifestar-se nos seus verdadeiros intentos. Henrique de Guise viu-se logrado, momentaneamente batido aparentemente acatou a resolução do soberano. Ele também era astucioso, e tinha a virtude de saber esperar a sua oportunidade. A contra-acção, realmente, não se fez tardar, pois, sob a influência da Liga, foram os mesmos Estados de Blois que obrigaram o rei a concretizar as suas boas vontades e a sua chefia, impondo-lhe, pelo édito de Nemours, o recomeço da guerra contra os Huguenotes. Ao mesmo tempo arranca a Sisto V uma bula de excomunhão contra os Bourbons e lança-se activamente na guerra civil.
Henrique III, colhido na própria rede que habilidosamente havia lançado, não tem outra solução senão a de enveredar por tal caminho, que lhe desagradava. O duque de Guise não perdera o seu trunfo… E, corno desejava o campo livre dos adversários que lhe faziam sombra, teve de se bater ao mesmo tempo com os homens do duque de Alençon, por um lado, e com os de Henrique de Navarra, por outro, precisamente os dois primeiros obstáculos à sua ascensão ao trono: o duque de Alençon, por ser irmão do rei, e o Navarra, que em 1570 casara com a irmã do soberano, Margarida de Valois, ambos, portanto, presumíveis herdeiros da coroa. As escaramuças, travadas com triunfo favorável ora a um lado ora a outro, continuaram durante algum tempo, até que os contendores acordaram em novo tratado de paz, o de Nevac, em 1580».

In Américo Faria, Dez Monarcas Infelizes, Livraria Clássica Editora, colecção 10, Lisboa, s/d.

Cortesia de Livraria Clássica Editora/JDACT