quinta-feira, 18 de julho de 2013

Um Percurso Humano e Político nas Origens da Modernidade em Portugal. D. João II. Manuela Mendonça. «A rainha D. Isabel ao tempo destas festas era prenhe da prymeira vez, e pario em Syntra um Fylho, e despois pario logo a Ifanta Dona Joana, atée o ano que vinha de mil e quatrocentos e cinquenta e cinco, em que o Pryncepe Dom Joam naceu...»

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«Braços cruzados, fita além do mar, parece em promontório uma alta serra, o limite da terra a dominar o mar que possa haver além da terra. In Fernando Pessoa, ‘Mensagem’

O Príncipe João. Educação e Ambiente. A Corte
«(…) Nesta dinâmica podemos sintetizar a personalidade como resultante da interligação entre a herança genética e a história da experiência de cada ser. Por isso, para que os comportamentos dos indivíduos possam ser compreendidos, torna-se indispensável o conhecimento da história de cada um dos seus antecedentes mais remotos. É nesta perspectiva que nos parece indispensável uma incursão rápida na pré-história do filho de D. Isabel e de Afonso V, para podermos penetrar e tentar entender o comportamcnto posterior deste príncipe.
Muito pouco se sabe da infância do príncipe. Terceiro filho do rei Afonso V e da rainha D. Isabel, esta circunstância não o relegaria para um segundo plano, mas antes fez dele um filho desejado e ansiosamente esperado pelos pais e pelo Reino em geral. Rui de Pina explicou porquê:
  • A rainha D. Isabel ao tempo destas festas [trata-se das festas que se fizeram por ocasião do casamento de dona Leonor, irmã de Afonso V, com o Imperador da Alemanha, Frederico. Deste casamento nasceria Maximiliano, com quem João II viria a ter estreitas relações] era prenhe da prymeira vez, e pario em Syntra um Fylho, que ouve nome o Pryncepe Dom Joam, e em menino logo falleceo, e despois pario logo a Ifanta Dona Joana, que sempre se chamou Pryncesa, atée o ano que vinha de mil e quatrocentos e cinquenta e cinco, em que o Pryncepe Dom Joam naceu...
O príncipe era, portanto, esperado com ansiedade na perspectiva de assegurar a sucessão que estava garantida na princesa, mas que a qualquer momento, com a sua morte ou afastamento podia correr perigo.

NOTA: Os problemas de sucessão sempre foram potenciais geradores de conflitos; Por isso o reino desejava sempre que o seu rei tivesse muitos filhos, o que garantiria uma transmissão pacífica de poder. A existência de um único herdeiro era sempre contingente. Certamente pór isso, após a morte do rei Duarte, e sendo Afonso V muito pequeno, se jurou seu tio Fernando. Durante a primeira dinastia sempre se praticou em Portugal, à semelhança do que acontecia em Castela, a sucessão por hereditariedade. À excepção de Sancho II, a quem sucedeu o irmão, em todos os outros casos a sucessão fez-se dando preferência ao filho varão; embora o direito não registasse oposição a que a sucrssão fosse feita por via feminina, a verdade é que só não havendo nenhum filho varão, esta linha entraria. O início da segunda dinastia foi marcado pela eleição de um rei, pois declarada vaga a coroa, por não haver ninguem que de direito podesse e devesse herdá-la, os três estados reunidos nas côrtes de Coimbra de 1385, exerceram a soberania elegendo rei a João mestre de Aviz... Só com João II o problema da sucessão se voltou a pôr, mas por morte do seu único filho legítimo, o príncipe Afonso. No testamento, o rei deixou nomeado para seu sucessor a Manuel, duque de Beja.

E não foi pouco o tempo de espera, já que o primeiro casamento [referimo-nos ao primeiro casamento, pois que, embora em situação complexa, este monarca voltou a casar, na sequência da morte de Henrique IV de Castela e de acordo com a promessa feita a este monarca. A noiva foi D. Joana, sua sobrinha, filha do mesmo Henrique IV. O casamento realizou-se em Plasência onde despois de feita pubrycamente a solenidade dos esposoiros, como em tal caso compria, logo com cirimonias de trombetas e reys d'armas em altas vozes foram pellos Senhores que eram presentes, e com outros muytos com suas procurações, allevantados e jurados por reis de Castella... Conforme também Damião de Góis, … depois delrei dom Afonso ser em Plasença, logo pelos senhores que presentes erão, e com seu pareçer, se hordenou o dia dos desposouros (...) Ho que feito, logo no mesmo lugar foi ha Rainha jurada de todolos que presentes erão, e doutros per seus procuradores, e dali por diante se chamaram, e intitularam Reis de Castella, de Leão, e Portugal, e por taes lhes beijaram has mãos»

In Manuela Mendonça, D. João II, Um Percurso Humano e Político nas Origens da Modernidade em Portugal, Imprensa Universitária 87, Editorial Estampa, Lisboa, 1991, ISBN 972-33-0789-8.

Cortesia de Estampa/JDACT