sexta-feira, 12 de julho de 2013

Inês de Castro. Leituras. Maria Pilar del Hierro. «O coração avisava-a de que uma névoa espessa e escura, como a que costumava cobrir a várzea banhada pelo ‘Duratón’ em Novembro, se espalhava sobre o seu futuro em Portugal»

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Um amor que confunde palácios e governos
«(…) Contra o previsto pelos hábitos da corte, tinha entrado nos aposentos da amiga sem aviso prévio. Embora estivesse a amanhecer, a penumbra do quarto levara Constança crer que ainda era noite. Mesmo assim, espreguiçou-se e recostou-se nas grandes almofadas para, sorridente, aceitar as carícias de Nieve que, de um salto, tinha subido para a cama. O cão costumava dormir num canto do quarto, bobre um pequeno escabelo, mas a entrada impetuosa de Inês tinha-o feito acordar em sobressalto e levara-o a refugiar-se junto da dona. - Constança, ouvi-me, a comitiva está pronta, as mulas carregadas e as nossas liteiras preparadas - dizia Inês, falando muito depressa e quase comendo as palavras. - Como é possível que ainda tenhais de vos vestir?
 - Acalmai-vos, Inês! Para quê esse alvoroço? Até o Nieve está a tremer! Que pressas são essas? Já sei que partimos hoje, mas não há necessidade de nos precipitarmos. Mais parece que tendes pressa de sair desta casa! Se tivésseis tanto medo como eu tenho! - Medo? Que temeis, Constança? Afirma-se que o infante Pedro é galhardo de figura e gentil de modos, que o casal real, Afonso e D. Beatriz, arde de desejos de vos abraçar como filha e que Lisboa é uma cidade junto do mar, agradável e alegre. Que vêm para aqui fazer esses temores infundados? - Inês, já saí de minha casa noutra ocasião. Era apenas uma criança e tive de saber o que são noites sem fim, sentindo saudades de vozes amigas e da paisagem que, todos os dias, recordava. Fui em busca de um destino que me parecia feliz e só achei solidão e tristeza. Quem me garante que a história não vai repetir-se?
 - Não devíeis recordar tão triste episódio. Também eu parti de casa sendo criança e nem por isso tenho medo. – Mas encontrastes uma família e eu só achei desprezo. E se fosse esse o meu destino? - Não tem de sê-lo. Talvez tenhamos trocado de sortes e que agora acheis a felicidade e eu, as lágrimas. Em qualquer caso, não estou preocupada. À nossa frente temos uma aventura que nos levará a conhecer novas terras, novas gentes e novos costumes. Espera-nos, o que não é pouco, a excitação da descoberta. - Ou a decepção perante a descoberta. - Não será o caso, Constança. O astrólogo consultado pelo vosso pai assegurou que vos aguardam grandes venturas. Falou de dias de amor, de ardores e de paixões. De novas vidas que assomam e de outras que se apagam. De risos de crianças e das alegrias de mãe, depois de lutos justamente lamentados.
 - E quem vos assegura que essa vida que se apaga não seja a minha? Ou que me estão reservados esses ardores que confundem amores e alteram consciências? - Tende calma e raciocinai! - respondeu Inês, visivelmente alterada. - A carta falava de amores: dos vossos com o vosso futuro esposo. De ardores: dos que ele, arrebatado de paixão, sentirá quando a vossa beleza for elogiada por todos. De risos infantis: os dos filhos que Deus vos concederá. E, por fim, de momentos felizes que se sucedem a momentos tristes. Pois bem, como eu a interpreto, a profecia refere-se logicamente ao governo ditoso do infante Pedro e à morte inevitável de Afonso IV de Portugal, que Deus guarde.
Constança limitou-se a fazer um gesto de resignação. Os passos da ama que, ignorando que Inês se lhe antecipara, acudia a despertá-la, poupara-lhe o esforço de responder à amiga. Invejava o optimismo de Inês. Talvez não tivesse percebido, como ela, que a esperavam dias felizes e um destino glorioso! No entanto, o coração avisava-a de que uma névoa espessa e escura, como a que costumava cobrir a várzea banhada pelo Duratón em Novembro, se espalhava sobre o seu futuro em Portugal. Contudo, sabia também qüe, feliz ou desgraçado, aquele era o seu destino e que não estava na sua mão modificá-lo. Sem sair do seu mutismo, levantou-se e deixou que D. Leonor, Inês e as aias preparassem a partida».

In Inês de Castro, María Pilar Queralt de Hierro, Editorial Presença, Lisboa, 2006, ISBN 978-972-23-3081-7.

Cortesia de Editorial Presença/JDACT