domingo, 28 de julho de 2013

Uivo. A Vida Breve. Cadernos de Poesia. Allen Ginsberg. «Vamos ser gente, por favor. A nossa sociedade está a pôr-nos secos como um número seco, como um osso branco seco exposto ao sol. O meu número íntimo é 9. Só. 8. Só. 3. Só. Sem somá-los nem transformá-los em novecentos e oitenta e três»

jdact

Uivo
[…]
Que se lançaram de mergulho para debaixo dos
caminhões de transporte de carne à procura de
um ovo.

Que dos telhados deitaram fora os relógios para
deporem os seus votos a favor de uma Eternidade
desligada do Tempo, e em paga lhes caíram
na cabeça relógios despertadores todos os dias
durante os dez anos seguintes.

Que cortaram as veias dos pulsos três vezes em
sucessão e sem sucesso, por isso desistiram e
foram forçados a abrir lojas de antiguidades
onde lhes pareceu que estavam a ficar velhos
e choraram.

Que foram queimados vivos, dentro dos seus fatos
de flanela tão inocentes, na Madison Avenue, no
meio das salvas de poemas de chumbo & do
ruído enlatado dos férreos regimentos da moda
& dos guinchos de nitroglicerina dos maricas da
publicidade & do gás de mostarda dos directores
de jornais sinistros e inteligentes, ou foram
atropelados pelos táxis embriagados da
Realidade Absoluta.

Que se atiraram da Ponte de Brooklyn, isto aconteceu
mesmo, e se perderam a pé desconhecidos
e esquecidos no meio do dédalo fantasmático
das ruelas & carros de bombeiros de Chinatown,
sem ninguém lhes oferecer nem sequer uma
cerveja.

Que cantaram de desespero das janelas escancaradas
das suas casas, caíram da janela do metropolitano,
se atiraram para o imundo Passaic,
caíram em cima de negros, gritaram ao longo da
rua, dançaram descalços em cima de garrafas de
vinho estilhaçadas, despedaçaram discos de
gramofone com nostálgica música de jazz da
Alemanha dos anos 30, acabaram o whisky e
vomitaram resmungando na retrete, com os ouvidos
cheios de lamentações e de sereias a vapor
descomunais.

Que dentro de barris desceram as autoestradas do
passado viajando até à vigia da solidão-prisão
do Golgotha de cada um dos outros, ou da sua
encarnação em jazz de Birmingham.

Que andaram setenta e duas horas de automóvel
percorrendo várias terras para descobrirem se
eu tinha tido uma visão ou se tu tinhas tido
uma visão ou se ele tinha tido uma visão para
descobrirem a Eternidade.

Que foram até Denver, que morreram em Denver,
que regressaram a Denver & esperaram em vão,
que mantiveram Denver em observação & se
aborreceram e sentiram sozinhos em Denver e
finalmente ,se foram embora para saberem que
horas são, & agora Denver tem saudades dos
seus heróis que se foram embora.
[…]

Poema de Allen Ginsberg, ‘Uivo

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