quarta-feira, 31 de julho de 2013

Para mim… Estudos sobre a Ordem de Avis. Séculos XII-XV. Maria Cristina A. Cunha. «… cada mestre devia procurar reaver todas as propriedades móveis e de raiz que estivessem alienadas, e castigar os comendadores que não mantivessem as vinhas e campos das suas comendas lavrados»

jdact

«(…) No que respeita às ordens peninsulares, Calatrava, e portanto, Avis e Santiago, a sua estrutura tem mais semelhanças entre si do que diferenças, apesar de terem filiações distintas. A Ordem de Calatrava possuía um único órgão colegial de governo: o Capítulo Geral, onde todos os freires, capelães e cavaleiros, tinham assento e que era presidido pelo mestre. Inicialmente, competia a este convocar diariamente essa reunião, mas como escreve o cronista Rades Andrada dado o género de vida particular dos freires e a sua dispersão pelas comendas, a convocação de capítulo não foi sempre possível. Por esse motivo, tal como fazia Cister para o conjunto das abadias da Ordem, o mestre devia reunir pelo menos uma vez por ano o capítulo com a presença das diferentes dignidades da Ordem e dos Comendadores, altura em que se promulgariam Definições, se precisavam detalhes de observância religiosa e de disciplina e se decidiam assuntos de ordem meramente económica. O facto de a Ordem de Avis incluir os Treze na sua organização, os documentos relativos às visitas efectuadas por freires calatravenhos aos conventos destas duas milícias provam-nos isso, leva-nos a supor que Calatrava também conhecia esta instituição nos séculos XII e XIII, embora não haja qualquer referência, na milícia castelhana, à sua existência. Não sabemos, no entanto, como é que esses treze cavaleiros eram escolhidos na ordem portuguesa, mas é possível que fossem nomeados em capítulo pelos restantes freires, com o objectivo único de eleger o mestre. Também ignoramos se teriam outra função para além desta que acabamos de enunciar.
Função semelhante à do Capítulo Geral de Calatrava era desempenhada pelo Cabido Geral da Ordem de Santiago, constituído pelo colectivo dos comendadores e por treze cavaleiros escolhidos pelo mestre, os Treze. Segundo a Regra, a reunião do cabido geral devia realizar-se anualmente, no dia de Todos os Santos, o que nem sempre terá acontecido. No século XIII, conforme aponta Lomax, esta reunião teria lugar onde o mestre o desejasse. Será importante referir que uma vez que o cabido geral dos espatários tinha poder legislativo, era aqui que se promulgavam os Estabelecimentos, várias vezes se converteu numa espécie de contra-poder dentro da Ordem relativamente ao mestre e à sua autoridade. Na Ordem de Santiago, havia, para além do capítulo Geral, um outro órgão colegial de governo: os Treze. Escolhidos pelo mestre, a quem deviam obediência, este grupo de cavaleiros era o seu conselheiro em diversos assuntos respeitantes à milícia. Se assim o entendesse, o mestre podia depor qualquer um destes conselheiros, desde que tivesse o consentimento pelo menos da maioria dos restantes. Inversamente, os Treze podiam demitir o mestre se comprovadamente se visse que era maao, danoso ou sem proveito aa Ordem. No entanto, a sua importância advinha-lhes essencialmente da responsabilidade directa que tinham na eleição dos mestres. Para este efeito, eram convocados pelo Prior-mor, no prazo máximo de 50 dias após a morte ou demissão daquele.
Tanto na Ordem de Calatrava como na de Santiago o governo, a administração, e o serviço religioso eram desempenhados por freires detentores de dignidades próprias. A primeira de entre estas dignidades era precisamente o mestrado. De facto, no topo das duas ordens militares encontrava-se o mestre. Em tempo de guerra chefiava as hostes das milícias, quer quando integradas no exército real, quer quando actuavam sozinhas. Nos períodos de paz, competia-lhe a administração dos bens da Ordem e a organização da sua vida interna, numa actividade geral que ia desde a recepção dos votos dos noviços aos julgamentos e aplicação das penas aos freires que não cumprissem a Regra. Contudo, o exercício das suas prerrogativas estava limitado, tanto em Calatrava como em Santiago, pelo Cabido ou Capítulo da Ordem, apesar de, pelo menos no que respeita a Calatrava, apenas o abade de Cister ter poder para lhe retirar a dignidade mestral em caso de incumprimento grave dos seus deveres. Quanto a Santiago, o mestre, ouvido o Capítulo Geral ou o Particular, legislava sobre matéria espiritual e temporal, relativamente a membros da ordem, Estabelecimentos, e relativamente aos povos do senhorio, Leis.
Como principal responsável pelos bens materiais da Ordem, cada mestre devia procurar reaver todas as propriedades móveis e de raiz que estivessem alienadas, e castigar os comendadores que não mantivessem as vinhas e campos das suas comendas lavrados. Não podendo usufruir das rendas das Comendas que havia entregue a cavaleiros, os seus rendimentos deveriam basear-se nas que pertenciam à mesa mestral, num conjunto de bens, rendas e comendas que se encontravam adstritas às necessidades e despesas do mestre. O comendador-mor ocupava o lugar mais importante da Ordem de Calatrava, logo a seguir ao mestre, e era, até ao século XIV, escolhido por este. Nesta mesma ordem, governava a milícia na ausência do mestre, em tempo de paz ou de guerra, e sempre que o mestrado se encontrava vago. Por esta razão, em Avis, competia ao comendador-mor, convocar os Treze para que se procedesse a nova eleição. Em Santiago, o segundo posto da hierarquia era ocupado pelo prior-mor pelo que o Comendador mor era sobretudo o elo de ligação entre os comendadores e os freires de cada uma das províncias da Ordem e o mestrado, exercendo junto dos primeiros o poder jurisdicional do mestre, de uma forma delegada, o que lhe permitia entrar e sair das diferentes comendas sem necessitar da autorização do comendador da terra. Em ambas as milícias tinha uma importante função militar, já que num caso, enquadrava as fileiras dos espatários e no outro, era o capitão das 300 lanças com que os calatravenhos eram obrigados a servir o rei quando este estava em guerra com os infiéis.

O prior-mor ocupava o segundo lugar da hierarquia dos espatários. Por esta razão, assessorava o mestre em tarefas burocráticas, por exemplo, elaborava o Livro de Matrícula das Profissões, e substituía-o na sua ausência ou na vacatura do mestrado. Na Ordem de Santiago era, pois, o prior-mor quem deveria convocar os Treze, no prazo máximo de 50 dias, para eleger novo mestre. Apesar dos documentos fundacionais dos espatários apenas referirem um prior-mor, existiram pelo menos três: um em Castela (Uclés), outro em Leão (S. Marcos) e, finalmente, um terceiro em Portugal (Palmela). Situação idêntica ocorreria, aliás, em Calatrava, já que tanto Avis, como Alcântara (no reino de Leão), pelo menos, tiveram também os seus priores-mor.
Na Ordem de Calatrava, o prior-mor, terceiro na hierarquia interna, estava incumbido da orientação espiritual de todos os membros. Segundo as primeiras Formae Vivendi (1164 e 1187), os Priores tinham como função celebrar missas e ouvir as confissões dos freires. Em 1195, porém, os freires já se podiam confessar a freires clérigos que o Prior houvesse nomeado, estando no entanto reservado a este a absolvição dos pecados mortais. Inicialmente eleitos pela maioria dos freires, os priores de Calatrava passaram mais tarde a ser designados pelo Abade de Morimond. Tal como os abades cistercienses, o prior-mor de Calatrava podia usar as insígnias pontificais e exercer funções semelhantes às dos Bispos, mas não podia intervir nos assuntos temporais sem autorização do mestre, apesar de provavelmente ser ele o encarregado de uma das chaves da caixa que continha as rendas que o ecónomo do convento arrecadava». In Maria Cristina A. Cunha, Estudos sobre a Ordem de Avis, séculos XII-XV, Faculdade de Letras, Biblioteca Digital, Porto, 2009.

Cortesia da F. L. Porto/JDACT