sábado, 3 de janeiro de 2015

A descoberta da economia-mundo. Immanuel Wallerstein. «… as ciências sociais são necessariamente históricas e que a história necessariamente se define como ciência social. Magalhães Godinho indica-nos este caminho ao longo de todas as suas discussões sobre a crise da história»

Cortesia de wikipedia

A História é Geográfica
«(…) Não é demasiado difícil discernir as origens desta tripartição. A ideologia centrista liberal, que, nessa época, estava em vias de dominar a geocultura, insistia em que a qualidade mais fundamental da modernidade e, portanto, do progresso científico, era a diferenciação das arenas da acção social em três: o mercado, o Estado e a sociedade civil. Era-se moderno na medida em que estes três domínios erigissem muros uns contra os outros. E, ao mesmo tempo, construía-se a modernidade construindo esses muros. Cada domínio, dizia-se, tem as suas regras distintas. Cada domínio é logicamente independente do outro. Cada domínio deveria, pois, abster-se de interferir com os outros. E, em consequência, torna-se evidente que os investigadores e as estruturas do saber devem vigiar atentamente para que as características de cada um desses domínios não sejam invadidas nem corrompidas pelo outro. E eis-nos chegados às verdades universitárias actuais contra as quais se insurgiam os Annales, se insurgia Vitorino Magalhães Godinho, para proclamar a unicidade da história. E se a história vivida é única, unificada, chegamos logicamente à interciência, à conclusão de que as ciências sociais são necessariamente históricas e que a história necessariamente se define como ciência social. Donde, logicamente, organizacionalmente, deveríamos ter baseado as nossas chamadas disciplinas numa disciplina única, a que, por mim, chamaria ciências sociais históricas ou historizadas. Magalhães Godinho indica-nos este caminho ao longo de todas as suas discussões sobre a crise da história. Ouçam a sua argumentação:
  • Ao longo do Cinquecento, as economias não caminharam todas ao mesmo ritmo […] a desgraça de uns era a boa fortuna dos outros […]. Que tais desequilíbrios sejam muitas vezes de origem extra-económica, no sentido estrito ou, melhor, académico que a economia pura dá a este adjectivo, muito bem. Está por fazer, começa a fazer-se, uma teoria do técnico, as inovações estão à cabeça da teoria económica de Schumpeter. Está por fazer a psicologia histórica, quem está a servir de parteiro é Lucien Febvre. Mas a necessidade de teorização impõe-se em todos os domínios e no conjunto dos domínios como um todo. A história não pode deixar de continuar a absorver mais teoria. Mas tem de entender-se o real e, portanto, as suas transformações, o devir; a única forma de, por sua vez, o conseguir é através da historização das teorias, da tecnologia, da psicologia, da sociologia e, porque não, da própria economia. (Godinho, 1971).
Este programa, enunciado em 1951, não foi ainda realizado pela grande maioria dos analistas mundiais. Sem dúvida que, aqui e ali, houve muitos esforços mas, mesmo se admirados, eles não são amplamente seguidos.

O passado relativiza-se no presente
«Há todo um mundo a desbravar, desde que quem estude o passado não esqueça o presente e saiba sacrificar ao espírito crítico quer os interesses apaixonados que tudo deturpam porque demasiado exclusivos, quer o cómodo abandono de selecção que nada permite explicar porque tudo confunde». (GODINHO, 1971)

Entre todos os temas, considero este o mais importante e o mais radical. As guerras culturais que irrompem quando se utiliza o verbo relativizar! E que afronta à suposta distância imparcial do historiador quando se insiste no facto de que a história é, de facto, uma descrição do presente e não o texto de um passado à moda de Ranke, o passado tal como era realmente. O presente, como se sabe, é o mais evanescente dos fenómenos, terminado antes que possa captar-se». In Immanuel Wallerstein, A descoberta da economia-mundo, Comunicação ao colóquio Le Portugal et le Monde: Lectures de l’Oeuvre de Vitorino Magalhães Godinho, Paris, 2003, Revista Crítica de Ciências Sociais, nº 69, 2004.

Cortesia de RCSociais/JDACT