Repetição
«Fernando Pessoa
participou de várias ordens ocultas como a Ordo
Templi Orientis (fundada na Alemanha em 1902), estudou
astrologia, cabala e alquimia como pode ser observado em inúmeros escritos de
seu espólio; trocou correspondências com Aliester Crowley, ex-membro da Aurora Dourada (sociedade secreta
fundada em 1888 na Inglaterra) e criador da doutrina Thelema. Sendo
assim, introduzirei o assunto através de uma citação do próprio Fernando Pessoa,
que merece destaque e uma pequena explicação: Há três caminhos para o oculto: o caminho mágico (incluindo práticas
como as do espiritismo, intelectualmente ao nível da bruxaria, que é magia
também), caminho esse extremamente perigoso, em todos os sentidos; o caminho
místico, que não tem propriamente perigos, mas é incerto e lento; e o que se
chama o caminho alquímico, o mais difícil e o mais perfeito de todos, porque
envolve uma transmutação da própria personalidade que a prepara, sem grandes
riscos, antes com defesas que os outros caminhos não têm. O
primeiro caminho citado por Fernando
é o da magia, incluindo tanto o espiritismo quanto a bruxaria. O
espiritismo é, ao mesmo tempo, uma ciência de observação e uma doutrina
filosófica. Como ciência prática, consiste nas relações que se podem
estabelecer com os Espíritos; como filosofia, compreende todas as consequências
morais que decorrem dessas relações. Já á bruxaria é a arte de se
harmonizar e interferir na natureza, considerada a manifestação suprema dos
antigos deuses, inclui tanto as cerimónias sazonais, quanto os ritos em honra
aos deuses. Os bruxos também se dedicam aos oráculos, feitiços, sortilégios,
encantamentos e à fabricação de amuletos.
O segundo caminho
para citado o oculto é o místico, ou seja, o da contemplação e crença no
sobrenatural. E em terceiro, o alquímico que é o mais refinado pois trabalha no
plano real para ter efeito no plano etéreo; a transmutação dos elementos
químicos é apenas o intermediário para a transmutação e elevação da alma,
como se lê em Iniciação à alquimia de Alberto Magno: A principal finalidade do trabalho dos
alquimistas era a regeneração, o renascimento da alma humana natural e sua directa
aliança com a força vital da Natureza Após este esclarecimento e devido ao carácter
plural e multifacetado tanto da Ordo
Templi Orientis (O.T.O.) quanto da Thelema,
justifica-se a utilização de exemplos e explicações retiradas de diversas
culturas e doutrinas para fundamentar a presente análise do poema.
Iniciação
«Não dormes sob os
cyprestes
pois não há somno no
mundo.
………………………
O corpo é a sombra
das vestes
que encobrem teu ser profundo.
Vem a noite, que é a
morte,
e a sombra acabou sem
ser,
vaes na noite só
recorte,
egual a ti sem querer.
Mas na Estalagem do
Assombro
tiram-te os Anjos a
capa.
Segues sem capa no
hombro,
com o pouco que te tapa.
Então Archanjos da
Estrada
despem-te e deixam-te
nu.
Não tens vestes, não
tens nada;
tens só teu corpo, que
és tu.
Por fim, na funda
caverna,
os Deuses despem-te
mais.
Teu corpo cessa, alma
externa,
mas vês que são teus
eguaes.
……………………….
A sombra das tuas vestes
ficou entre nós na
Sorte.
Não ‘stás morto, entre
cyprestes.
………………………..
Neophyto, não há morte».
Este
poema é, como o título indica, um caminho iniciático. O narrador fala
sobre o não dormir de um iniciante sob o cipreste pois no mundo não há sono, o
mundo não dorme, ele está eternamente em constante modificação e movimento, e
ele como parte integrante desse mundo dinâmico também possui sua essência e não
deve dormir pois o sono é uma espécie de morte. O cipreste é uma árvore símbolo
da vida por causa da sua longevidade e a sua verdura persistente;
representa as virtudes espirituais porque tem muito bom odor e é considerado
símbolo de santidade. Por representar a vida, ela foi considerada uma árvore
funerária em todo o mediterrâneo pois evoca a imortalidade e a ressurreição.
Assim, o iniciante não pode dormir (morte simbólica) sob o símbolo da vida. O corpo é a sombra das vestes que encobrem o
teu ser profundo. As vestes são símbolo exterior da actividade espiritual, a
forma visível do homem interior. Muitas ordens secretas têm as vestes como um
dos utensílios ritualísticos, como é o caso da maçonaria. Pessoa escreveu num documento que se encontra no seu espólio as palavras Throne
Robe Sword, ou seja, trono,
veste, espada: elementos rituais, simbólicos, de uma iniciação maçónica repleta
de cabalismo e alquimia». In Gisele Cardoso Lemos, Simbologia e esoterismo em Iniciação de Fernando
Pessoa, Wikipédia.
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