sábado, 3 de janeiro de 2015

Muçulmanos. Cristãos. Judeus. Toledo. Séculos XII-XIII. «No ano da tomada de Toledo, morreu Gregório VIII, o papa de Canossa, o que humilhara o imperador. Passado um pouco mais de tempo, Urbano II (1088-1099), lançará as cruzadas…»

Cortesia de wikipedia e jdact

A Chegada dos Cristãos. O Refluxo do Islão Espanhol
«(…) Quando o rei de Castela, seu senhor, quis apoderar-se do reino, o Cid considerou que este era seu e respondeu devastando as terras do seu suserano, o que provocou a retirada rápida deste último. Quando al-Qadir morreu, tomou o seu lugar e reinou com equanimidade sobre mouros e cristãos, perfeitamente independente. Morreu em 1099, e sucedeu-lhe sua mulher, dona Ximena. Foi expulsa do seu reino em 1102 por um regresso ofensivo dos Almorávidas, mouros africanos, puritanos e pouco propensos a compromissos. Mediante múltiplos contactos, duas sociedades interpenetram-se. Milhares de nobres e de soldados cristãos vindos do norte, amigos ou inimigos consoante os dias, viajam e permanecem em terra muçulmana. Aprendem a língua dos outros, apreciam os seus costumes e os seus gostos, também amam: Zaida, neta do rei de Sevilha, refugiar-se-á, antes de enviuvar, na corte de Afonso VI; o rei de Castela, o conquistador de Toledo, amá-la-á, ela entregar-se-á a ele, por ele se irá converter e dar-lhe o único filho que lhe sobreviveu... Aliás, foi Afonso quem tocou o dobre a finados dos taifas. Mais do que perseguir os mouros, ele queria suplantar os outros reis cristãos, seguindo a pura tradição de Leão, que governava, e afirmava-se único sucessor dos visigodos. Precisava de dinheiro, sempre de mais dinheiro, de parias, de cada vez mais parias. Quase todas os taifas lhe pagavam tributo. Era sobretudo aliado de al-Qadir, então rei de Toledo, ameaçado pelos seus homólogos de Sevilha e de Saragoça, que cobiçavam o seu território e cujo trono vacilava, minado pelo descontentamento dos seus próprios súbditos, esmagados pelos impostos e humilhados pelo enorme poder dos cristãos.
Fora expulso por uma revolta. Afonso propôs-se devolver-lhe o trono enquanto al-Qadir prometia ceder-lhe Toledo se os cristãos conquistassem para ele o reino de Valença. Só restava cercar a cidade e devastar os campos para chamar à razão os habitantes. Isso demorou alguns anos, porque não se justificava um assalto frontal. A 6 de Maio de 1085, Toledo rendeu-se e, a 25, Afonso fazia nela a sua entrada. Na verdade, merecia o título que há algum tempo lhe era dado pela sua chancelaria de Imperador de toda a Espanha: reconquistara a velha capital dos visigodos; fora o primeiro a forçar a fronteira de al-Andalus; era o maior de todos os reis cristãos e quase todos os taifas se reconheciam seus vassalos. Todavia, em Toledo, muitos dos muçulmanos haviam fugido. A comunidade moçárabe, sem dúvida a mais numerosa de toda a Espanha, apoderara-se de uma parte dos bens dos emigrados. A importante comunidade judia, no seu bairro reservado, estava toda lá. A capitulação era liberal: todos, incluindo os muçulmanos, conservavam os seus bens e a sua religião; as mesquitas seriam respeitadas; os impostos mantidos ao nível anterior. O rei apoderava-se das propriedades do soberano destronado e dos bens abandonados. Na verdade, muito em breve a cidade, moçárabes incluídos, sentiu que fora conquistada. Emigrantes vindos do norte, muitas vezes de além-Pirenéus, reservaram o centro para si. Por iniciativa sua, a grande mesquita foi transformada em catedral. Os moçárabes viram-se privados do direito de elegerem o seu patriarca: foi-lhes imposto um bispo francês, Bernard de Cluny, e o seu rito, o velho rito visigodo que, durante três séculos e meio catalizara a sua resistência, classificado como superstição toledana, pelos clérigos estrangeiros, foi limitado a seis igrejas onde o deixaram morrer. Bens consideráveis foram distribuídos aos recém-chegados. Foi afastado o moçárabe Sisnando, a quem Afonso confiara o governo da cidade. O rei entregava-a aos povos do norte. Não há a certeza de que estivesse plenamente de acordo, mas tinha as suas razões.
Porque se os cristãos de Espanha estavam a levar a melhor sobre os muçulmanos, deviam-no em parte ao apoio que lhes era concedido por uma Europa em plena renovação. Na verdade, as coisas estão a alterar-se além-Pirenéus, a partir do século X. Um pouco por todo o lado, os senhores reúnem os habitantes, até então dispersos por aldeias, em grupos mais coesos, mais fáceis de controlar mais fáceis de organizar. Reúnem as suas forças. A organização paroquial, que vai constituir enquadramento da vida quase até aos nossos dias, é posta em funcionamento. O domínio do homem sobre o território torna-se mais forte. A floresta recua, a população aumenta, e, segundo tudo indica, o mesmo ocorre com a produção. As trocas, que nunca haviam cessado completamente, recomeçam com vigor. Até o grande comércio renasce e as cidades reencontram a função económica que quase tinham perdido no final do império romano. As frotas italianas disputam novamente aos muçulmanos o domínio dos mares. A Igreja desperta. Pela primeira vez, os papas apresentam-se como um elemento federador, como consciência e dirigentes do Ocidente acima dos próprios imperadores. No ano da tomada de Toledo, morreu Gregório VIII, o papa de Canossa, o que humilhara o imperador. Passado um pouco mais de tempo, Urbano II (1088-1099), lançará as cruzadas, a enxurrada das forças vivas do Ocidente, ao ataque de Jerusalém: o espírito de cruzada fortalece a unidade da Europa cristã». In Louis Cardaillac, Tolède, XII-XIII, Éditions Autrement, Paris, 1991, Toledo XII-XIII, Muçulmanos. Cristãos, Judeus, O Saber e a Tolerância, Terramar, Lisboa, 1996, ISBN 972-710-144-5.

Cortesia de Terramar/JDACT