sábado, 17 de janeiro de 2015

Tomar. Thomar Revisited. José Augusto França. «E tive um sobressalto quando a guia nos fez visitar uma sala secundária (... donde) descemos a uma cripta. Ao fundo de sete degraus, uma pedra nua conduz à abside, onde poderia surgir um altar ou o trono do Grão-Mestre, e onde se chega passando debaixo de sete fechos de abóbadas…»

Tomar dos templários
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Sítio e história
«(…) A povoação iria desde então crescendo, apesar da crise do fim do século, passava em breve para fora das muralhas, na Vila de Baixo, e Gregório IX daria indulgências a quem visitasse Sta. Maria de Tomar, no segundo quartel de Duzentos. S. João Baptista foi então edificado e na segunda metade do século ter-se-á aberto, entre olivais, a Corredoura, ainda hoje a grande rua tomarense. A vila vinha então, em importância, logo após Santarém e Leiria, a par de Coimbra e Abrantes, à frente de Ourém, Pombal, Torres Novas, Montemor. Sucederam-se vinte e três Mestres na poderosa Ordem que ia somando terras e bens, na região de Soure e Pombal, que fora seu anterior território, na de Castelo Branco e Idanha, até ao Fundão e nesta de Tomar, com limites a sul na Quinta da Cardiga e no Castelo de Almourol, ao todo perto de 3700 quilómetros quadrados de domínio. Até que o Templo foi levado à extinção e à liquidação por reforma da Ordem no grande movimento internacional determinado por Filipe, o Belo, de França e apoiado pelo papado, a que o rei Dinis naturalmente obedeceu, mas ressalvando a sua estrutura em 1319, numa nova Milícia ou Ordem de Cavalaria de Jesus Cristo que, depois de ocupar Castro Daire e Castelo Branco e com outras indecisões, se sediou finalmente e de novo em Tomar, em 1357, a pedido dos próprios freires que se queriam então menos expostos a encontros com os Mouros, se acreditarmos no que nos diz frei Bernardo Brito na Monarquia Lusitana.
Assim também, diplomaticamente, grande parte dos bens que o mesmo papa da extinção, João XXII, já quisera doar a um cardeal francês de sua valia, foi salva através das conhecidas inquirições, mandadas fazer pelo rei em 1317, para provar a pertença originária das suas terras ao reino de Portugal. Transitaram os cavaleiros de uma para outra Ordem e outros foram admitidos, esvaziando-se heraldicamente a cruz vermelha dos Templários antes que o tempo lhe alterasse o desenho em linhas angulosas. E alguma oculta suspeita restará de ligação local com a Ordem mãe no seu misterioso e secreto itinerário. Nela insistirá, em 1988, Umberto Eco na fantasia erudita do seu romance Il Pendolo di Foucault...

[…] Se eu posso imaginar um castelo templário, assim é Tomar. Chega-se a ele por um caminho fortificado que passa junto dos bastiões exteriores, com seteiras em forma de cruz, e logo se respira uma atmosfera de cruzes, desde o primeiro instante. Os Cavaleiros de Cristo naquele sítio tinham prosperado durante séculos. (...) A longa e feliz existência que ali tinham gozado fez reconstruir e ampliar o castelo, ao longo dos tempos, de tal modo que à sua parte medieval se juntaram alas renascença e barrocas. Comovi-me entrando na igreja dos Templários com a sua rotunda octogonal que reproduz a do Santo Sepulcro. (...) Depois, a nossa guia levou-nos a ver a janela manuelina, a janela por excelência, um buraco, uma colagem de reportórios marinhos e submarinos, algas, conchas, âncoras, amarras e correntes, em celebração das aventuras dos Cavaleiros sobre os oceanos. Mas, dos dois lados da janela, a apertar como uma cintura as duas torres que a enquadram, vêem-se esculpidas as insígnias da Jarreteira. Que fazia ali, num mosteiro português, o símbolo de uma ordem inglesa? Não soube responder a guia, mas logo a seguir, em outro lado, creio que a noroeste, mostrou-nos as insígnias do Tosão d'Oiro. Não pude deixar de pensar no jogo subtil de alianças que unia a Jarreteira ao Tosão d'Oiro, este aos Argonautas, os Argonautas ao Graal, o Graal aos Templários... (...) E tive um sobressalto quando a guia nos fez visitar uma sala secundária (... donde) descemos a uma cripta. Ao fundo de sete degraus, uma pedra nua conduz à abside, onde poderia surgir um altar ou o trono do Grão-Mestre, e onde se chega passando debaixo de sete fechos de abóbadas, em forma de rosas, umas maiores do que outras e a última, maior de todas, sobrepuja um poço. A cruz e a rosa, e num mosteiro templário, e numa sala certamente construída antes das manifestações rosacrucianas.. . Fiz algumas perguntas à guia que sorriu: se soubesse quantos estudiosos de ciências ocultas aqui vêm em peregrinação... Diz-se que este sítio era uma sala de iniciação…[…] In Umberto Eco, Il Pendolo di Foucault, Milano, l988

Entretanto, a povoação desenvolvera-se, tornara-se vila cuja vida municipal mais ou menos se conhece. A passagem de uma Ordem a outra acrescentou a lista dos Mestres havidos depois de Gualdim Pais e, sempre eleitos, contaram-se mais oito nomes desde o primeiro da nova organização, por dois anos só, porque morreu Gil Martins, que era Mestre da Ordem de S. Bento de Avis, cujos estatutos foram adoptados então. E passando pelo 6.º Mestre Nuno Rodrigues de Andrade, amigo do rei Pedro I e daí aio do seu bastardo João que seria rei, e assim viveu em Tomar de 1357 a 1363, até Lopo Dias Sousa, dos Sousas-Arronches, sobrinho materno de dona Leonor Teles, que por isso pôde ser eleito com doze anos de idade. A vila fora assolada pela peste negra, em 1348, e em 85, apesar da atitude dúbia do Mestre, Tomar tomou partido contra Castela na guerra da sucessão portuguesa. Num seu arrabalde se juntaram as hostes do Mestre de Avis e de Nun’Álvares, a caminho de Aljubarrota. Um padrão quinhentista comemorará o acontecimento, como veremos, e na própria Várzea Grande da vila se exercitaram, para a improvável vitória, as forças do Condestável, firme no seu propósito de travar batalha. Por essa altura conhecem-se as primeiras referências à comunidade judia, de artesãos e negociantes, que teria sinagoga cerca de 1460. Em 1405, o Mestre Lopo entrou em demanda de grados interesses contra a vila, que ganhou, e à sua morte, em 1420, o rei João I pediu ao papa que, sem mais eleições capitulares, a regência e administração perpétua da Ordem fosse dada a seu filho, o infante Henrique, para serem utilizados os seus rendimentos na luta contra os sarracenos e na difusão da fé, agora em empreses africanas iniciadas em Ceuta, ou desde 1433 com a descoberta da Madeira». In José-Augusto França, Tomar, Thomar Revisited, Editorial Presença, Lisboa, 1994, ISBN 972-23-1846-2.

Cortesia de EPresença/JDACT