sábado, 3 de janeiro de 2015

José do Telhado. Aquela Casa Triste… Camilo Castelo Branco. «Perguntei ao preso que razão teve para sair do Brasil. - Saudades de minha mulher e dos meus meninos, respondeu. - Mas é fama que o senhor fizera lá um grande roubo. - É mentira. Eu andei por lá dezanove meses tão aflito do coração…»

jdact

José do Telhado Agora
«(…) Pedi às pessoas importantes, que me sacrificaram, o patrocínio necessário para arranjar uma qualquer ocupação fora da minha terra, mas ninguém me atendeu. Contentar-me-ia com um lugar de guarda do contracto; e, se mo dessem, teria feito muitos serviços, e seria ainda hoje um homem útil e honrado, e teria educado os meus pobres meninos. José Teixeira nunca proferiu as palavras os meus pobres meninos, que se não lhe vidrassem os olhos. A hoste de Joaquim do Telhado, quando viu a adesão do valente José, nomeou-o chefe, e o irmão submeteu-se. Estreou-se José Teixeira na noite de 12 de Dezembro de 1849, salteando de surpresa uma casa na freguesia de Macieira, que tinha nomeada de rica em dinheiro velho. O proprietário, Maciel Costa, foi ferido, e arrastado para confessar onde tinha a saca das peças, ao mesmo tempo que o criado, seu único doméstico, gemia amarrado de mãos para as costas pedindo a Deus que terminasse depressa o inventário dos haveres de seu amo. Era valioso o tesouro do lavrador, e a repartição foi equitativa.
Poucos dias depois, tirada a devassa, José Teixeira foi pronunciado com seu irmão, se bem que Joaquim já o estava nos célebres roubos de Canelas do Douro, Margaride e Baião. A mulher de José Teixeira, quando soube que seu marido estava culpado num crime, que a infeliz nem sequer sonhara, tentou suicidar-se, e matar com ela os filhos. Contiveram-nos eles, de todo desamparados pelo pai, que resolveu ir para o Brasil depois da pronúncia. De feito, embarcou o fugitivo com passaporte na barca Oliveira em fins de 1849. Apresentou-se no Rio de Janeiro ao cônsul geral, dando-se a profissão de carpinteiro. Passou à província do Rio Grande do Sul. Tirou em Porto Alegre passaporte para Santa Catarina. Visou-o em S. José com destino a Sorocaba em Março de 1851, e já em Novembro desse mesmo ano assaltava em Portugal a casa de António Fabrício Lopes Monteiro, de Santa Marinha do Zêzere. O Comércio do Porto bosquejando uma biografia de José do Telhado, até à data da sua prisão em 1859, escreveu que ele voltou do Brasil, segundo se diz, por ter feito um grande roubo naquele império.
Perguntei ao preso que razão teve para sair do Brasil. - Saudades de minha mulher e dos meus meninos, respondeu. - Mas é fama que o senhor fizera lá um grande roubo. - É mentira. Eu andei por lá dezanove meses tão aflito do coração, que não parava em parte nenhuma. Cuidei de morrer de saudades, e por isso vim, sem já se me dar de ser preso e enforcado. O que eu queria era estar perto dos meus meninos, e morrer onde minha mulher me aparecesse à hora da morte. Agora vão em fileira os crimes de José do Telhado, indicados no libelo geral de acusação, depois de sua volta a Portugal. O assalto do Zêzere, já mencionado, foi infrutuoso por a desesperada tenacidade com que os sitiados se defenderam. Seguiu-se o vulgarizado assalto de Carrapatelo, à casa de dona Ana Vitória Abreu Vasconcelos. Esta senhora estava com visitas, que tinham ido desanojá-la da morte de seu pai, falecido poucos dias antes. Era de noite. Os cães, reclusos em casa, latiam impacientes. Um criado abriu-lhes a porta, e pela abertura recebeu na cabeça um golpe de machado. Penetrou a horda na cozinha, e um dos invasores, para aquietar os gritos do criado, cortou-lhe a voz na garganta com uma bala de pistola. Entraram à saleta onde estavam as espavoridas senhoras, e trouxeram-nas processionalmente à beira do cadáver, observando-lhes que teriam igual destino se fizessem motim, e não entregassem o dinheiro que estava em casa. Entregou a senhora sem hesitação o dinheiro e valores que tinha, excepto um anel, que José do Telhado urbanamente lhe devolveu, tirando-o da mão de um subordinado. O facto seria galante, se o chefe não dissesse, no mesmo ponto, que José Joaquim Abreu, o recém-morto pai da senhora, tinha trinta mil cruzados em moeda. A dama ignorava que tal dinheiro houvesse em sua casa, e respondeu que só sabia do que entregara. Foram, em seguimento a tal resposta, novamente conduzidas as senhoras ao espectáculo do cadáver, e ajoelharam para receberem a morte.
Neste lance, lembrou-se uma criada que o dinheiro poderia estar no quarto não aberto ainda, desde que o defunto saíra para a cova, e proferiu em voz alta, a sua conjectura. Ficaram três sentinelas às damas e José do Telhado entrou no quarto, arrombou as gavetas, e senhoreou-se das sacas do dinheiro. Voltando à cozinha, mandou erguer as moribundas senhoras, conduziu-as à saleta, onde as tinha encontrado, recomendou-lhes que estivessem caladinhas, que eram bonitas, fechou-as por fora, e retirou-se a passo mesurado». In Camilo Castelo Branco, Aquela Casa Triste, Brevíssima Portuguesa, Livraria Civilização Editora, Porto, 1995, ISBN 972-26-1214-X.

Cortesia da LCE/JDACT