sábado, 31 de janeiro de 2015

No 31. Nuno Júdice. Pedro, lembrando Inês. Jazz. «Se o nosso espírito pudesse compreender a eternidade ou o infinito, saberíamos tudo. Até podermos entender esse facto, não podemos saber nada. O zero é a maior metáfora. O infinito a maior analogia. A existência o maior símbolo»

IM
jdact

Estrelas
«Desfaço nas mãos os figos, os fios
Fugazes de Setembro, enquanto o seu leite
escorre pelas folhas verdes que
os envolvem. Esses figos, que me traziam
em cestos de vime, eram mel na boca
que os saboreava. Secos, iam parar
aos frascos fechados para o Inverno, de onde
os tirava para os meter no bolso,
antes de sair. O que tens aí?, perguntavas-me. E
eu passava-te para a mão um desses figos, e via
como o abrias, chupando os seus grânulos,
e passeando na boca a amêndoa que
o recheava. Onde estarás?, pergunto. Poderia
anda hoje partilhar, contigo, um
desses figos do Inverno? Ou o seu leite secou,
nos cantos dos lábios, roubando-te
as palavras, e o húmido murmúrio
do amor?»


Solidão
«Um mar rodeia o mundo de quem está só. É
o mar sem ondas do fim do mundo. A sua água
é negra; o seu horizonte não existe. Desenho
os contornos desse mar com um lápis de
névoa. Apago, sobre a sua superfície, todos
os pássaros. Vejo-os abrigarem-se da borracha
nas grutas do litoral: as aves assustadas da
solidão. É um mundo impenetrável, diz
quem está só. Senta-se na margem, olhando
o seu caso. Nada mais existe para além dele, até
esse branco amanhecer que o obriga a lembrar-se
que está vivo. Então, espera que a maré suba,
nesse mar sem marés, para tomar uma decisão».
Poemas de Nuno Júdice, in ‘Pedro, lembrando Inês

JDACT