Guardador
de Rebanhos
[…
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XVI
«Quem
me dera que a minha vida fosse um carro de bois
que
vem a chiar, manhãzinha cedo, pela estrada.
E
que para de onde veio volta depois
quase
à noitinha pela mesma estrada.
Eu
não tinha que ter esperanças, tinha só que ter rodas...
A
minha velhice não tinha rugas nem cabelo branco...
Quando
eu já não servia, tiravam-me as rodas
e
eu ficava virado e partido no fundo de um barranco.
XVII
No
meu prato que mistura de Natureza!
As
minhas irmãs as plantas,
as
companheiras das fontes, as santas
a
quem ninguém reza...
E
cortam-se e vêm à nossa mesa
e
nos hotéis os hóspedes ruidosos,
que
chegam com correias tendo mantas
pedem
Salada, descuidosos...
Sem
pensar que exigem à Terra-Mãe
a
sua frescura e os seus filhos primeiros,
as
primeiras verdes palavras que ela tem,
as
primeiras coisas vivas e irisantes
que
Noé viu
quando
as águas desceram e o cimo dos montes
verde
e alagado surgiu
e
no ar por onde a pomba apareceu
o
arco-íris se esbateu...
XVIII
Quem
me dera que eu fosse o pó da estrada
e
que os pés dos pobres me estivessem pisando...
Quem
me dera que eu fosse os rios que correm
e
que as lavadeiras estivessem à minha beira...
Quem
me dera que eu fosse os choupos à margem do rio
e
tivesse só o céu por cima e a água por baixo...
Quem
me dera que eu fosse o burro do moleiro
e que
ele me batesse e me estimasse...
Antes
isso que ser o que atravessa a vida
olhando
para trás de si e tendo pena...»
[…]
Poema de Alberto Caeiro, in ‘Poemas’
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