Alexandre III
«(…) É esta a última notícia positiva que possuímos daquele
estado da questão. Durante três séculos não se fala mais disso, e sabemos apenas
que depois nem o arcebispo João
Peculiar nem os seus sucessores reconheceram a primazia de Toledo. Não podem
pois restar dúvidas de que foi o cardeal Jacinto que retirou do caminho esta
pedra de escândalo. Assim como ele já na sua primeira legacia por amor da paz
não consentira que se entregassem as bulas papais, assim desta vez deve ter
sido ele que se reservou liberdade de acção, não cumprindo à letra a ordem do
papa, tanto mais quanto é certo que ele agora provavelmente procedia de
harmonia com o próprio pensamento papal. Como ele conseguiu fazer calar o
arcebispo de Toledo é que nós não sabemos (o facto de Toledo ter abandonado as
suas pretensões até o tempo do arcebispo Rodrigo, considero-o seguro; no ano
1190 encontrou-se o arcebispo de Braga Martinho com o arcebispo Martinho de
Toledo em Roma, sem que o último tocasse na questão da primazia). Mas o poder
das circunstâncias políticas era em todo o caso mais forte do que a ambição dum
só prelado. Castela o Leão separados, Portugal um estado fortemente acrescido e
de importância, que sentido tinha a sujeição da Igreja portuguesa à de Castela que agora nem sequer era vizinha?
Só podia conseguir-se a paz, reconhecendo Portugal como estado independente e
com tantos direitos como os seus vizinhos.
É característico que no mesmo momento em que a questão do
primado desaparece, também a questão do reinado português toma outro aspecto.
Ambas as questões estavam intimamente ligadas, haviam surgido ao mesmo tempo
que o juramento de Afonso Henriques e encontraram solução conjunta. Ao passo que
toda a gente em Portugal e Espanha havia dezenas de anos reconhecia o título de
rei a Afonso Henriques, a Cúria teimara em que o monarca português era apenas duque (nos diplomas de Inocêncio
II, Lúcio II, Eugénio III e Adriano IV Afonso Henriques intitula-se sempre dux;
em Alexandre III, antes de 23 de Maio de 1179;
só se emprega a palavra rex, porém é possível que aqui se
trate apenas dum simples engano de chancelaria, da mesma forma que, ao invés,
mais tarde no tempo de Urbano III ). Agora admitiu o cardeal Jacinto, que na
sua primeira legacia usara para Afonso Henriques o título de duque, a designação de rei; no
diploma de canonização de S. Rosendo Celanova chama a Portugal reino e nomeia Afonso
Henriques entre os reis da Península (o diploma só nos resta infelizmente em
tradução espanhola conservada em A. Yepes, Coronica general de la ordem de S.
Benito, sem data, pertence porém evidentemente a 1173). Tacitamente reconhecia o imutável estado da questão e
abandonava, a tentativa do apear Portugal da situação conquistada.
Isto era certamente o principal, mas não era tudo. Jacinto não
defendeu até o fim o ponto de vista português. Aquela história dum cronista
inglês segundo a qual, quando o cardeal quis depor o bispo de Coimbra, Afonso
Henriques o expulsou do reino, ameaçando-o de lhe cortar um pé, podemos
confiadamente tomá-la como pura fábula. Afonso Henriques era demasiado prudente
e devoto com a Cúria romana para proceder de tal maneira; além disso, a maneira
honrosa com que o cardeal Jacinto falou do monarca português depois da sua estada
em Portugal, exclui tal aventura. Mas não devemos esquecer a oposição entre Braga
e Santiago, a questão da dependência das dioceses portuguesas do sul. Neste
caso ordenou o cardeal Jacinto, sabemo-lo de certeza, que os futuros bispos de
Lisboa fossem sagrados pelos arcebispos de Santiago». In Carl Erdmann, O Papado e
Portugal no primeiro século da História Portuguesa, Universidade de Coimbra,
Instituto Alemão da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 1935.
Cortesia de Separata do BIAlemão/JDACT