«(…) Se só fomos ignorados, só sabemos ignorar. Se fomos
odiados, só sabemos odiar. Se fomos maltratados, só sabemos maltratar. Não há
como fugir desta engrenagem de aço: ninguém é feliz sozinho. Ou o mundo melhora
para todos ou ele acaba. Amar o próximo não é mais idealismo místico de alguns.
Ou aprendemos a nos acariciar, ou liquidaremos com a nossa espécie. Ou
aprendemos a nos tratar bem a nos acariciar, ou nos destruiremos. Carícias, a
própria palavra é bonita. Carícias... Mãos deslizando lentas e leves sobre a
superfície macia e sensível da pele.
Carícias... Olhar de encantamento descobrindo a divindade
do outro meu, espelho! Carícias... Envolvência (quem não se envolve não se
desenvolve...), ondulações, admiração, felicidade, alegria em nós, eu-e-ele,
eu-e-outros. Energia poderosa na acção comum, na cooperação. na comunhão, na comoção.
Só a União faz a Força, sinto muito, mas as verdades banais de todos os tempos
são verdadeiras, e seria bom se a gente tentasse fazer o que elas sugerem, em
vez de, críticos e cépticos e pessimistas, encolhermos os ombros e deixarmos
que a espécie continue, cega, caminhando em velocidade uniformemente acelerada
para o Buraco Negro da aniquilação. Nunca se pôde dizer, como hoje: ou nos
salvamos, todos juntos, ou nos danamos, todos juntos.
Claude Steiner, com muita sabedoria e ternura, sintetiza
muitas ideias sobre Carícias. Era uma vez, há muito tempo, um casal feliz, António
e Maria, com dois filhos chamados João e Lúcia. Para entender a felicidade
deles, é preciso retroceder àquele tempo. Cada pessoa, quando nascia, ganhava
um saquinho de carinhos. Sempre que uma pessoa punha a mão no saquinho podia
tirar um Carinho Quente. Os Carinhos Quentes faziam as pessoas sentirem-se
quentes e aconchegantes, cheias de carinho. As pessoas que não recebiam
Carinhos Quentes expunham-se ao perigo de pegar uma doença nas costas que as
fazia murchar e morrer. Era fácil receber Carinhos Quentes. Sempre que alguém
os queria, bastava pedi-los. Colocando-se a mão na sacolinha surgia um
Carinho do tamanho da mão de uma criança. Ao vir à luz o Carinho se expandia e
se transformava num grande Carinho Quente que podia ser colocado no ombro, na
cabeça, no colo da pessoa. Então, misturava-se com a pele e a pessoa se sentia
toda bem. As pessoas viviam pedindo Carinhos Quentes umas às outras e nunca
havia problemas para consegui-los, pois eram dados de graça. Por isso todos
eram felizes e cheios de carinhos, na maior parte do tempo.
Um dia uma bruxa má ficou zangada porque as pessoas, sendo
felizes, não compravam as poções e unguentos que ela vendia. Por ser muito
esperta, a bruxa inventou um plano muito malvado.
Certa manhã, ela chegou perto de António enquanto Maria brincava com a filha e
cochichou em seu ouvido: olha António, veja os carinhos que Maria está dando à
Lúcia. Se ela continuar assim vai consumir todos os carinhos e não sobrará
nenhum para você. António ficou admirado e perguntou: quer dizer então que não
é sempre que existe um Carinho Quente na sacola? E a bruxa respondeu: eles
podem-se acabar e você não os ganhará mais. Dizendo isso a bruxa foi embora,
montada na vassoura, gargalhando muito. António ficou preocupado e começou a
reparar cada vez que Maria dava um Carinho Quente para outra pessoa, pois temia
perdê-los. Então começou a se queixar a Maria, de quem gostava muito, e António
também parou de dar carinhos aos outros, reservando-os somente para ela. As
crianças perceberam e passaram também a economizar carinhos, pois entenderam
que era errado dá-los. Todos ficaram cada vez mais mesquinhos. As pessoas do
lugar começaram a sentir-se menos quentes e acarinhados e algumas chegaram a
morrer por falta de Carinhos Quentes». In Roberto Shinyashiki, A Carícia
Essencial, 1984, Editora Pergaminho, colecção Gente, 1995, ISBN
978-972-711-224-1.
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