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O Tempo de Meu Pai
«(…) Quando o meu irmão e eu tivemos esta
conversa, tínhamos chegado à colina de Claro, na costa, e Germânico disse
casualmente, à nossa frente, que no dia seguinte iria ao templo de Apolo orar
ao deus. Sabes, disse-me Caio, quando estávamos sós, ele vai consultar o
oráculo! Que o meu pai desejasse conversar com os deuses, não me espantava. Não
era ele da raça deles? Os deuses só podiam querer-lhe bem, sobretudo aquele Apolo,
que falava em Claro, e que eu conhecia bem, pelo templo que lhe mandara
construir Augusto, não muito longe da nossa casa, no Palatino. Daquele encontro
só podiam resultar boas coisas. Todavia, à noite, quando o nosso pai regressou,
tinha um ar preocupado. A minha mãe interrogou-o, mas ele respondeu evasivamente.
Que soubeste?, perguntava ela oh, nada de especial.
E para além disso? Tu sabes como são todos
os oráculos. Palavras ocas, frases obscuras e tudo isso em verso, e nem sequer
belos ou simétricos. Ela não conseguiu fazê-lo dizer mais, mas sentia, como eu,
que ele estava inquieto, que o oráculo não fora assim tão impreciso e insignificante
como Germânico queria fazer crer. Assim que parámos em Éfeso e em Mileto, os
Gregos que estavam connosco vangloriavam-se das maravilhas. Germânico tinha pressa
de chegar a Rodes. Estávamos quase no Verão. Fazia bom tempo no mar e
cruzávamo-nos constantemente com navios. Um dia, ouvi a minha mãe dizer: o
outro não deve estar longe! Quem era esse outro, ao qual não se chamava pelo
seu nome? Foi Caio quem mo revelou, naturalmente. Uma noite disse-me: não sabes
por que não paramos? Tu não sabes, mas eu sei, e não to vou dizer. Devo ter
implorado durante muito tempo, prometendo nada dizer a ninguém. Por fim, ele anuiu
em falar: aquele que deve vir é o novo governador da Síria, e nem a mãe nem o
pai gostam dele. A sua voz tornou-se um sussurro: creio que têm medo dele!
Fiquei incrédula, porém um pouco inquieta. Os meus pais, esses seres todo-poderosos,
o meu pai a quem toda a gente tratava com o maior respeito, que comandava todos
aqueles soldados, todos aqueles marinheiros que pareciam ter nascido somente
para o servir, como podia ele ter medo, e de quem?
Não fiquei convencida de que o meu irmão me
dissera a verdade. Que poder extraordinário tinha esse governador da Síria,
desse país cujo nome eu ouvira pela primeira vez e para o qual, segundo me
dissera Caio, nos dirigíamos? Estava ele, também, em relação com os deuses?» In
Pierre Grimal, Memórias de Agripina, Lyon Edições, Romances Históricos, 2000,
ISBN 972-8461-51-8.
Cortesia Lyon E./JDACT