Bárbaros.
Cristãos. Muçulmanos
«(…) Na navegação também há uma revolução de
importância semelhante. No Canto XII do Paraíso, Dante escreve: del cor de l’una de le luci nove/si mosse voce, che l’ago a la
stella/parer mi fece in volgermi al suo dove…, e Francesco da Buti e
Giovanni da Serravalle, dois comentadores da Divina Comédia do seculo XIV, explicam: hanno li naviganti uno bussolo che nel mezzo
è imperniato una rotella di carta leggera, la quale gira su detto perno; e la
detta rotella ha molte punte, et ad una di quelle che vi è dipinta una stella,
è fitta una punta d’ago; la quale punta li naviganti quando vogliono vedere
dove sia la tramontana, imbriacono colla calamita. Mas já em 1269
Pedro Peregrino de Maricourt mencionava uma bússola com agulha giratória (ainda
sem a rosa dos ventos). Nestes séculos, são aperfeiçoados alguns instrumentos
de origem antiga, como a balestilha e o astrolábio. Mas a verdadeira revolução
medieval na navegação é operada pela invenção do leme axial posterior. Nas naus
gregas e romanas, nas dos vikings
e até nas de Guilherme, o
Conquistador, que em 1066 aproaram às praias inglesas, os lemes,
longas pás governáveis por meio de alavancas, eram dois, um de cada lado, e
manejados de modo a dar à embarcação a direcção desejada. Este sistema, além de
muito trabalhoso, tornava praticamente impossível a navegação contra o vento, era
preciso bordejar, ou seja, manobrar alternadamente os lemes para que a embarcação
oferecesse primeiro um flanco e depois o outro à acção do vento. Assim, os mareantes
ficavam limitados à pequena cabotagem, isto é, a acompanhar a costa para poder
arribar quando o vento não fosse favorável. É verdade que, com os seus lemes
laterais, os vikings já
teriam provavelmente alcançado o continente americano; mas não sabemos quanto
tempo nem quantos naufrágios custaram estas empresas e é provável que tenham
feito a travessia da Islândia para a Gronelândia e desta para a costa do
Labrador, não tendo, portanto, atravessado o oceano como fará Cristóvão Colombo
depois de, entre os séculos XII e XIII, ter aparecido o leme moderno, montado
na popa, mergulhado na água e capaz de orientar a embarcação sem sofrer o
impulso das ondas.
A este invento junta-se uma série de outras importantes
modificações, como a âncora de braços abertos, na forma ainda hoje usada. Além
disso, os normandos ainda construíam barcos com tábuas intrincadas, isto é, com
tábuas sobrepostas umas às outras, formando uma escadinha; mas juntando as
tábuas de modo a evitar obter uma curvatura contínua, é possível construir
navios maiores; com o novo sistema, arma-se primeiro o esqueleto para depois o
revestir, enquanto o sistema nórdico obrigava a construir primeiro o casco para
depois o reforçar com o cavername, método que não permitia construir navios de
grandes dimensões.
Outras modificações aperfeiçoam o velame. De facto, é já desde o
século VII que os árabes sugerem aos povos mediterrânicos o uso da vela
triangular, ou latina, extremamente adaptável como vela de gurupés. Com o novo
leme, a nova vela de gurupés torna possível efectuar todo outro tipo de
evolução, pois permite aproveitar qualquer orientação do vento. Todas estas
inovações permitiram construir embarcações quatro vezes maiores do que as naus
mercantis dos romanos, e este aumento de dimensões conduziu à introdução de um
novo mastro, o mastro de mezena. Mais tarde, seriam gradualmente introduzidas
velas redondas, acima da vela principal, e depois também da de mezena;
entretanto, com o aumento das dimensões da vela de gurupés, o mastro de mezena
e o mastro real deslocam-se pouco a pouco para a popa, chegando a haver um
terceiro mastro». In Umberto Eco (organização), Idade Média, Bárbaros,
Cristãos, Muçulmanos, Publicações
dom Quixote, 2010-2011, ISBN: 978-972-204-479-0.
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