quinta-feira, 17 de agosto de 2017

O Clube da Felicidade e da Sorte. Amy Tan. «O Clube foi uma ideia que minha mãe engendrou nos primeiros dias, do seu primeiro casamento em Kweilin, antes dos japoneses chegarem»

Cortesia de wikipedia e jdact

«A velha lembrou-se de um cisne que comprara há muitos anos atrás, em Shangai, por uma barganha. Este pássaro, contou-lhe o vendedor, foi certa vez um pato que esticara o pescoço na esperança de tornar-se um ganso, e agora, veja!, era belo demais para ser comido. Então a mulher e o cisne velejaram o oceano muitas li milhas à distância, esticando seus pescoços em direcção à América. Em sua jornada, ela sussurrou para o cisne: na América, eu terei uma filha assim como eu. Mas lá, ninguém dirá que o seu valor é medido pela altura do arroto do seu marido. Lá, ninguém a verá por cima, porque a farei pronunciar apenas um perfeito inglês americano. E lá, ela estará sempre tão satisfeita que não engolirá qualquer tristeza! Ela saberá o que lhe quero dizer, porque lhe darei este cisne, uma criatura que se tornou muito mais do que esperava. Mas quando ela chegou ao novo país, os oficiais da imigração tiraram-lhe o cisne, deixando a mulher agitando os braços e com apenas uma pena de lembrança. Então, ela teve que preencher tantos formulários que esqueceu a razão de sua vinda e o que deixara para trás. Agora, a mulher estava velha. E tinha uma filha que crescera falando somente inglês e engolindo mais coca-cola do que tristeza. Agora, por um longo tempo, a mulher quis dar à filha a única pena de cisne e dizer-lhe: esta pena pode parecer sem valor, mas vem de muito longe e carrega consigo todas as minhas boas intenções. E ela esperou, ano após ano, pelo dia em que poderia dizer isto à sua filha num perfeito inglês americano.
Meu pai pediu-me para ocupar o quarto canto do Clube da Felicidade e da Sorte. Estou para substituir a minha mãe, cuja cadeira na mesa de mah-jong tem estado vazia desde que ela morreu, dois meses atrás. Meu pai acha que ela foi morta pelos seus próprios pensamentos. Ela tinha uma nova ideia na cabeça, disse meu pai. Mas antes que pudesse sair da sua boca, o pensamento ficou tão grande que explodiu. Deve ter sido uma ideia muito ruim. O médico disse que ela morreu de um aneurisma cerebral. E as suas amigas do Clube da Felicidade e da Sorte disseram que morreu como um coelho: rápido e com negócios inacabados deixados para trás. Minha mãe supostamente seria a anfitriã do próximo encontro do clube. Na semana antes da sua morte, ela chamou-me, cheia de orgulho, cheia de vida: tia Lin cozinhou sopa de feijões vermelhos para o clube. Eu vou cozinhar sopa de sementes pretas de Sézamo. Não se exiba, disse. Não é exibição. Ela disse que as duas sopas eram quase iguais, chabudwo. Ou talvez tenha dito butong, não era a mesma coisa de todo. Era uma daquelas expressões chinesas que significam a melhor parte de intenções misturadas. Nunca consigo lembrar-me de coisas que não entendo em primeiro lugar.
Minha mãe começou a versão do Clube da Felicidade e da Sorte de San Francisco em 1949, dois anos antes de eu nascer. Este foi o ano em que a minha mãe e o meu pai deixaram a China com um baú de couro repleto apenas de vestidos de seda enfeitados. Não houve tempo para empacotar mais nada, explicou a mãe ao meu pai depois que eles embarcaram no navio. Ainda assim, ele deslizava freneticamente as mãos entre as sedas escorregadias procurando pelas suas camisas de algodão e cuecas de lã. Quando chegaram a San Francisco, meu pai a fez esconder aquelas roupas brilhantes. Ela usou o mesmo vestido chinês marrom-axadrezado até que a Associação de Boas-Vindas aos Refugiados lhe deu dois vestidos em segunda mão, todos muito largos no tamanho para mulheres americanas. A Associação era composta por um grupo de senhoras missionárias americanas de cabelos brancos, da Primeira Igreja Baptista Chinesa. E por causa dos seus presentes, meus pais não poderiam recusar o convite para se juntarem à igreja. Nem ignorar o conselho prático daquelas senhoras para aperfeiçoarem o seu inglês através de estudos da Bíblia em aulas nas quartas-feiras à noite, e mais tarde, através da prática do coro nos sábados pela manhã. Foi assim que meus pais encontraram os Hsus, os Jongs e os St. Clairs. Minha mãe podia sentir que as mulheres destas famílias também possuíam tragédias indizíveis que deixaram para trás na China, e esperanças que não conseguiriam começar a expressar no seu inglês frágil. Ou no mínimo, a minha mãe reconheceu o entorpecimento nos rostos dessas mulheres. E ela viu quão rapidamente seus olhos moveram-se quando contou-lhes a sua ideia para o Clube da Felicidade e da Sorte.
O Clube foi uma ideia que minha mãe engendrou nos primeiros dias, do seu primeiro casamento em Kweilin, antes dos japoneses chegarem. É por isso que penso no Clube da Felicidade e da Sorte como a sua estória de Kweilin. Era a estória que ela sempre me contava quando estava entediada, quando não havia nada mais a fazer, quando cada tigela havia sido lavada e a mesa de fórmica tinha sido limpa duas vezes, quando o meu pai se sentava para ler o jornal fumando um cigarro Pall Mall atrás do outro, um aviso para não ser perturbado». In Amy Tan, 1989, Editora Rocco, 1994, ISBN 978-853-250-044-1.

Cortesia de ERocco/JDACT