Cortesia
de wikipedia e jdact
Deixo
os livros para Neleu
«(…) Mas não poderia passar
desapercebida a desdenhosa retirada de Neleu para a Tróade, sequestrando a
palavra viva do mestre: principalmente porque se firmara na mente do Filadelfo
o projecto da biblioteca universal. Ele tinha todos os motivos para esperar,
para seu projecto, a colaboração do homem que havia sido seu preceptor e agora
era o escolarca do Perípato. Mas ao excelente Estrabão não restou senão remeter
o antigo pupilo, agora soberano, ao intratável Neleu. Foi imediatamente enviada
uma missão na sua busca, na esperança de obter por dinheiro aquilo que os
colegas de escola não tinham conseguido em nome da fé. Mas Neleu fez pouco dos
emissários do rei do Egipto. Vendeu-lhes algumas cópias de tratados de menor
importância, diversos tratados de Teofrasto, que por certo não eram grande
coisa, e principalmente livros que haviam sido de propriedade de Aristóteles. Jogou com as palavras,
afirmando ter possuído de facto a biblioteca de Aristóteles, como sustentavam
os enviados do rei, mas, precisamente, a sua biblioteca pessoal, os livros que
o mestre possuíra; dos quais, de qualquer maneira, acrescentou ele, estava
pronto, mesmo que dolorosamente, a se separar.
Em Alexandria não se percebeu imediatamente o
engano, e nos catálogos da biblioteca real fez-se o registo: reinante Ptolomeu
Filadelfo, adquiridos de Neleu de Scepsi os livros de Aristóteles e Teofrasto.
O
Banquete dos Sábios
Aristeu se aproveitara das circunstâncias. Ptolomeu
mal acabara de autorizar a solicitação de efectuar a tradução da lei hebraica,
e ele já lhe colocava uma questão premente: a lei hebraica, disse, que estamos
prontos não só a mandar copiar, mas até a traduzir, é válida para todos os
judeus; e agora, como vamos explicar que se proceda a um tal empreendimento bem
no momento em que, no teu reinado, tantos judeus se encontram na prisão? O
momento fora bem escolhido, visto que também estavam presentes Sosíbio de Tarento
e André, os dois chefes da guarda pessoal do rei, aos quais Aristeu expusera
essa solicitação havia algum tempo, tendo obtido a concordância de ambos. A
manobra pareceu tão hábil que se chegou a supor que Aristeu até provocara a iniciativa
da tradução (de êxito certo, dadas as ambições do soberano) com o único fito de
poder levantar imediatamente a questão da incoerência com o tratamento infligido
aos judeus deportados. Aristeu não deixou de apelar à generosidade do soberano,
calando-se a seguir, à espera de uma reacção. O diálogo que se seguiu por um
instante pareceu reproduzir aquele que se desenrolara um pouco antes, a
respeito dos rolos». In Luciano
Canfora, A Biblioteca Desaparecida, Histórias da Biblioteca de Alexandria,
1986, Companhia das Letras, 1989,ISBN 978-857-164-051-1.
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