sábado, 29 de fevereiro de 2020

A Lenda de Santa Maria de Cárquere. Isabel Cruz. «Assustado, o infante levanta-se com esforço, evitando as chamas e a queimadura certa. Curado sim, com a ajuda da Nossa Senhora. E regressam à corte, aio e amo»

Cortesia de wikipedia e jdact

Com a devida vénia a Isabel Cruz

Onde se pergunta quem foi, afinal, o primeiro rei de Portugal.
«Falamos de uma história de novecentos anos, mais pózinho, menos pózinho, quando Portugal era ainda uma miragem. Afonso VI de Castela e Leão, imperador de toda a Hispânia, quando do matrimónio de sua filha ilegítima dona Teresa com o conde Henrique da Borgonha, tinha criado o Condado Portucalense, oferecendo-o como dote a sua filha. Os condes de Portucale governavam este cantinho da Península, vassalos do Rei de Castela.
Ora, vivia na corte um fidalgo, Egas Moniz de seu nome, pertencente à nobre família de Ribadouro. Homem de toda a confiança, solicitou aos seus amos que lhe permitissem a honra de ser aio do futuro governante. E assim se fez quando nasceu Afonso Henriques que veio a ser o único descendente masculino sobrevivente de Henrique e Teresa. Pobre Afonso! Dizem alguns que terá nascido fraco, com as perninhas tortas, as más línguas diziam até que era corcundinha. Temeu-se pela sua vida. Era este bebé o futuro conde, o futuro chefe militar? Que futuro para o Condado! Que grande tristeza!
Egas Moniz era profundamente dedicado ao pequeno. Foi seu tutor, amigo, mestre d’armas… O bem-estar do amo era a sua preocupação maior. Devoto da Virgem Maria, rezava-lhe amiúde, pedindo pela saúde da criança que tanto amava. Teria Afonso uns 5 anos de idade, quando sonhou Egas com Nossa Senhora. Esta ordena-lhe: vai, Egas Moniz! Leva Afonso à minha igrejinha de Cárquere (Resende) e aí será curado! Egas pôs-se a caminho com o jovem infante, cheio de esperança.

Colocado o pequeno no altar, terá então procurado uma imagem escondida da Virgem, acendido 2 velas e esperado, murmurando as suas preces. O tempo, nesse tempo sem relógios, passa. Egas adormece, cansado. Uma das velas cai. Assustado, o infante levanta-se com esforço, evitando as chamas e a queimadura certa. Curado sim, com a ajuda da Nossa Senhora. E regressam à corte, aio e amo.
O povo rejubilou!!!! O conde Henrique, agradecido pela graça concedida, manda construir, junto à igreja, o Mosteiro de Santa Maria de Cárquere. Egas Moniz foi obreiro do milagre. Mas será que foi mais do que isso?
É que se conta, no rol de histórias que passam, que o infante, frágil e enfezado, não terá resistido à primeira infância, deixando o domínio sem herdeiros masculinos… E que Egas Moniz, combinado ou não com o conde Henrique, terá trocado a criança morta por um dos seus próprios filhos, assegurando assim a continuação do Condado Portucalense… Quem sabe?

Sabe-se que Afonso cresceu e se fez homem. Alto e forte, segundo estudos feito no seu túmulo, dizia-se que a sua espada era pesadíssima e que nenhum outro poderia manejá-la. E não queria ser conde! Queria ser Rei! E, para tal, combateu os do seu próprio sangue (?), com Egas Moniz sempre a seu lado. Conforme se diz noutro relato, no auge da guerra pela independência de Portugal, Egas Moniz faz uma promessa de cavaleiro ao rei de Castela e Leão, Afonso VII, em nome de Afonso. Afonso não cumpre! Então Egas Moniz e a família viajam a Toledo, apresentando-se ao Rei de Castela e Leão, todos de corda ao pescoço, oferecendo a vida. Afonso VII, condoído, perdoa… E os Moniz voltam para Portugal. Para seu rei…, ou seu parente chegado?
Ao falecer Egas, foi sepultado junto ao seu Paço de Sousa, Penafiel. Posteriormente, foi transladado para o interior do Mosteiro. É então que, para espanto de todos, se viu serem os ossos das suas pernas extremamente longos, transformando-o aos olhos das gentes num homem descomunal, um verdadeiro gigante para a época. Aio ou pai do primeiro Rei de Portugal, Egas Moniz foi, sem dúvida, um homem lendário!»


«O Mosteiro de Santa Maria de Cárquere é um mosteiro de Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, datado do século XII, constituído por uma igreja, de base românica, modificada no gótico, constituída por uma nave, capela-mor, sacristia, panteão e torre sineira, e por uma zona conventual construída em volta de um claustro. Nesta se pode encontrar a mais antiga iconografia da Gaita de Foles conhecida na Península, esculpida num capitel. Santa Maria de Cárquere vem referido na Crónica de 1419 como local da cura milagrosa de Afonso Henriques. Egas Moniz da casa de Ribadouro teria pedido ao conde Henrique, que o deixasse ser o aio da descendência que esperava de dona Teresa, independentemente de vir a ser um filho varão ou uma filha. Nasceu então Afonso Henriques mas, segundo a lenda, o infante recém-nascido apresentava uma má formação nas pernas que fazia temer o pior:

quando veio o tempo que a Rainha houve seu filho grande e fermoso mais que não podia mais ser moço da sua idade, senão tam soomente que tinha as pernas encolheitas, em guisa que todos dezião, assi mestres como os outros, que nunqua mais podia ser são delas.

Recebendo Egas Moniz a incumbência que tinha rogado ao conde ao ser nomeado aio encarregado da educação do infante, ficou muito sensibilizado pela maleita do recém nascido:

E, quando Egas Monis vio tam bella criatura e o vio assim tolheito, ouve dela mui grande doo, pero, confiando em Deus que lhe poderia dar saude, tomou o moço e feze-o criar tam bem e tam honradamente como se fizera se fora são.

Então, quando a criança tinha cinco anos, o milagre?! aconteceu e Santa Maria apareceu ao aio dizendo-lhe que buscasse um lugar onde existia uma igreja inacabada que lhe era dedicada e aí fizesse vigília e no altar colocasse a criança que seria curada. Egas Moniz assim procedeu e a criança foi curada. Diz-se então que, por força deste milagre, foi construído nesta igreja o mosteiro por Henrique:

E por este milagre que asi acontece o foi depois feito nesta igreja o mosteiro de Cárcere».
[…]
In Wikipedia

Cortesia de Isabel Cruz/Wikipedia/JDACT