quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

O Último Judeu. Noah Gordon. «A mãe da Virgem, Chana, a judia, esposa de Joachim, morrera em Nazaré, onde fora enterrada num sepulcro. Ela foi venerada desde o início da história cristã»

Cortesia de wikipedia e jdact

O Primeiro Filho.
Toledo. Castela. 23 de Agosto de 1489.
O Filho do Ourives. Dádiva de Deus
«(…) Era muito raro um humilde sacerdote receber um pacote lacrado da Santa Sé. O bispo-auxiliar, Guillermo Ramero, que entregou o pacote a Sebastián, sentiu a curiosidade coçar e esperou, ansioso, que o prior abrisse o pacote e revelasse o seu conteúdo, como qualquer padre respeitador devia ter feito. Ficou furioso quando o padre Alvarez se limitou a pegar o pacote e sair. Só quando se viu sozinho no mosteiro, Sebastián rompeu o lacre com dedos que tremiam. O pacote continha um documento intitulado Translatio Sanctae Annae. O padre Sebastián sentou-se numa cadeira e começou a ler com ar vidrado. Logo foi percebendo que era uma história dos despojos da mãe da Virgem Santíssima. A mãe da Virgem, Chana, a judia, esposa de Joachim, morrera em Nazaré, onde fora enterrada num sepulcro. Ela foi venerada desde o início da história cristã. Logo após a sua morte, duas das suas primas, ambas chamadas Maria, e um parente mais distante, chamado Maximin, partiram da Terra Santa para difundir o evangelho de Jesus em solo estrangeiro. Essa disposição missionária foi premiada pela doação de um cofre de madeira contendo um certo número de relíquias da mãe de Maria Santíssima.
Os três cruzaram o Mediterrâneo e aportaram em Marselha, onde as duas mulheres se estabeleceram numa aldeia de pescadores da vizinhança para procurar seguidores. Como a região estava sujeita a frequentes invasões, Maximin ficou incumbido de levar os ossos sagrados para um lugar seguro, e assim se dirigiu à vila de Apt, onde os deixou guardados numa urna. Os ossos ficaram em Apt por centenas de anos. Então, no século VIII, foram visitados pelo homem chamado pelos soldados de Carolus Magnus, Carlos, o Grande, rei dos francos, que ficou assombrado ao ler a inscrição na urna: Aqui jazem os restos mortais de Santa Ana, mãe da Gloriosa Virgem Maria. O rei guerreiro levantou os ossos do forro meio decomposto sentindo a presença de Deus, maravilhado por ter nas mãos um liame físico com o próprio Cristo. Presenteou os amigos mais próximos com uma parte dos ossos e pegou alguns para si, que mandou para Aix-la-Chapelle. Ordenou também um inventário das relíquias e enviou uma cópia para o papa, deixando ainda alguns ossos restantes sob a guarda do bispo de Apt e sucessores. Em 800 d.C, quando décadas de emprego do seu génio militar já tinham conquistado a Europa Ocidental, Carolus Magnus foi coroado Carlos Magno, imperador dos romanos, e a imagem paramentada de Santa Ana se destacava no traje da coroação.
O que ainda sobrara das relíquias da santa tinha sido removido do sepulcro em Nazaré. Alguma coisa foi guardada em igrejas de vários países. Três últimos ossos tinham sido postos aos cuidados do Santo Padre e, por mais de um século, foram conservados nas catacumbas romanas. No ano de 830, um ladrão de relíquias chamado Duesdona, diácono da igreja romana, levou a cabo um furto em massa das catacumbas para suprir dois mosteiros germânicos, em Fulda e em Mulheim. Ele vendeu os despojos de São Sebastião, São Fabiano, Santo Alexandre, Santa Emerenciana, Santa Felicidade, São Felicissimus, Santo Urbano, entre outros, mas a sua pilhagem, por algum motivo, deixou passar os poucos ossos de Santa Ana. Quando as autoridades da Igreja perceberam a profanação que ocorrera, transferiram os ossos de Santa Ana para um depósito, onde durante séculos eles se cobriram de pó em segurança. O padre Sebastián era agora informado que uma dessas três preciosas relíquias lhe seria enviada.
Passou vinte e quatro horas dando graças de joelhos na capela, de Matina a Matina, sem comer ou beber. Quando tentou levantar-se já não sentia mais as pernas e foi conduzido para a sua cela por frades nervosos. Mas finalmente Deus lhe devolveu a energia e ele levou o Translatio para Juan António e Garci Bórgia. Convenientemente estupefactos, os dois concordaram em subscrever o custo de um relicário onde o fragmento de Santa Ana pudesse ser mantido até que se fabricasse uma urna adequada. Eles passaram em revista os nomes de destacados artesãos a quem tal tarefa pudesse ser confiada e Juan António acabou sugerindo que Sebastián encomendasse o relicário a Helkias Toledano, um ourives judeu que se fizera notar pelos seus padrões criativos e delicada execução». In Noah Gordon, O Último Judeu, 2000, Uma História de Terror na Inquisição, Editora Rocco, 2000, ISBN 978-853-251-171-6.

Cortesia de ERocco/JDACT