Cortesia
de wikipedia e jdact
1452-1480
«(…) Quando
seu avô Antonio morre em 1464, Leonardo vai viver na casa do pai e lá completar os
estudos, afim de ter o mais cedo possível uma profissão. Depois de tantos
lutos, esse desenraizamento deve ter sido brutal. Uma extirpação da infância.
Nas colinas perfumadas, duas mulheres jovens cuidaram do filho bastardo, além
da avó, do avô e do jovem tio. Todos partilhavam com ele um amor imodesto pela
vida. A única verdadeira herança de Leonardo será essa paixão pela natureza e
pelo ser vivo.
A chegada em Florença é a
despedida da liberdade, da natureza e da vida em estado selvagem. É o fim da
mãe a algumas colinas dali, das bonitas e doces madrastas, do terno avô e, principalmente,
da experimentação de todas as formas de vida na natureza. Instalado na casa do
pai, a caminho de tornar-se um grande senhor, Leonardo é compelido a buscar
rapidamente uma profissão. Como gosta de desenhar tudo o que vê, como gosta de
observar e reproduzir minuciosamente, e como todos ao redor se alegram de
contemplar os seus desenhos, ele passa a integrar o prestigioso atelier de
Andrea Verrocchio (Andrea di Cione, dito Verrocchio, o olho exacto). É a melhor
bottega de
Florença, a mais polivalente, onde ele aprenderá todas as artes. Talvez com um
pistolão do pai, mas os observadores pensam que o seu simples talento lhe serviu
de salvo-conduto.
Lá as pessoas se tratam de modo
informal pelo nome, geralmente pelo sobrenome, estando as designações de messer, maestro ou padre
reservadas a doutores, médicos, cónegos, monges... E mesmo assim nem sempre. A
igualdade reina na Toscana. O florentino vive numa república e se orgulha de
ter derrubado as hierarquias sociais. A riqueza de consumismo é severamente
punida. O burguês, como o artesão, vai beber na taverna, fala livremente,
responde à altura, sempre atento às conversas políticas. E é maledicente!
Maledicente como um toscano, dizem na Itália da época. A atmosfera é animada,
vibrante, alegre, às vezes febril. As refeições da família ocorrem entre nove e
dez da manhã, e outra pouco antes do anoitecer. Marido e mulher, irmãos e
irmãs, amigos e companheiros comem no mesmo prato, bebem no mesmo copo, pão,
ervas, doces e frutas. Carne só aos domingos. Quando se mata um porco, é
preciso dar chouriço ao vizinho senão ele se zanga, lembra o adágio. O
florentino vive ainda essencialmente fora de casa. A rua é a peça exterior da
moradia. No Verão instala-se ali para jogar dados, xadrez..., a multidão
servindo de árbitro, o menor incidente provocando um pânico. Todos sabem tudo
de todos.
Andrea Verrocchio abre as portas do seu atelier e certamente o seu
coração ao efebo Leonardo. É dele que conservamos a primeira descrição do fenómeno.
Sim, um fenómeno, realmente. Pois, tão logo chega a Florença, o superlativo se
apodera dele. O ditirambo (poesia em que se celebra o vinho) o segue, o elogio
o precede. Parece sobressair-se sobre todos os contemporâneos. Graça, beleza,
talento, humor, inteligência, gentileza... O encanto segue os seus passos, o seu
físico é elogiado por todos. Mesmo Vasari reconhece que ele é fora do comum.
Outros falam dos seus traços angélicos, dos seus olhos claros, azuis ou verdes,
ninguém sabe ao certo, dos seus cabelos loiros ou ruivos, optam pelo loiro
veneziano. Uma carnação clara, uma pele magnífica. Corpo de efebo esguio. E, o
que é notável na época, uma altura gigantesca: mais de um metro e noventa. Quanto
à voz, é bela, com certeza, mas terrivelmente alta. Até mesmo superaguda. E ele
a utiliza como um instrumento magistralmente trabalhado. A sua gentileza é
legendária; o seu humor, irradiante. Sociável e bom companheiro, conquista na
confraria dos pintores, artistas e artesãos, assim são classificados os
florentinos, uma sólida reputação de bon
vivant. É inútil
insistir sobre o seu talento, ou melhor, seus talentos: há mais de cinco
séculos o mundo se encarrega disso». In Sophie Chauveau, Leonardo da Vinci,
2008, L&PM Pocket (colecção Biografias), Editora Gallimard, 2012, ISBN
978-852-542-640-6.
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