Com a devida vénia a Maria Helena Inês Garvão.
«O tema da nossa dissertação de Doutoramento em Estudos Literários, intitulada O Livro Marco Paulo impresso por Valentim Fernandes, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, na área de especialização de Literatura Portuguesa, foi proposto pelo Professor João Dionísio, a quem desde já agradecemos a disponibilidade e orientação atentas ao longo deste trabalho académico de que nos ocupámos nos últimos cinco anos. Informações pertinentes de partida, como a de que na biblioteca do rei D. Duarte constava um «Marco paulo latim e lingoaJem em huu Volume»; que o irmão daquele rei, o infante D. Pedro, recebera mesmo das mãos do doge de Veneza um exemplar da obra poliana, em 1428; e ainda o facto de o livro ter sido um dos primeiros impressos em português despertaram-nos o interesse pelo aprofundamento desta questão. E foi concretamente este último elemento, a obra impressa, que constituiu o ponto de partida para o nosso trabalho.
A compilação Marco Paulo foi impressa em 1502 pelo editor moravo Valentim Fernandes, que se encontrava ao serviço da corte portuguesa. Trata-se de um livro textualmente compósito, formado por três textos pertencentes à chamada literatura de viagens, sendo indubitavelmente o mais importante o que dá o título à compilação, o livro de Marco Polo ou, como é conhecido no Português tardo-medieval, Marco Paulo.
Os outros dois textos são o livro de Nicolau Veneto, outro mercador veneziano, e a carta de um genovês, Jerónimo de Santo Estêvão. Precedendo cada texto, temos vários antetextos ou, como lhes chama Genette, péritextos, constituindo, por sua vez, os da autoria de Valentim Fernandes um paratexto editorial que merecerá a nossa atenção.
Cortesia de wikipedia
Mas são os três textos de viagens o objecto de divulgação do impressor, sendo o seu núcleo principal o livro do célebre viajante veneziano. O seu nome era tão conhecido na época medieval que justificou o título do livro de que nos ocupamos, apesar de não ter sido ele o escritor desta narrativa mas apenas o relator. Tendo constituído, na Idade Média, um dos textos principais do repertório da geografia oriental e tendo sido editado, reeditado e copiado em várias línguas, tornou-se um dos maiores sucessos de venda medievais. A versão original do livro fora escrita em 1298 em franco-italiano por um companheiro de cela de Marco Polo, Rustichello de Pisa, quando ambos estiveram presos em Génova. De êxito quase imediato, foi então difundido em várias versões, nomeadamente na língua nativa do viajante.
Partindo da versão portuguesa impressa por Valentim Fernandes em 1502, e tendo pensado nas vantagens e inconvenientes de outras possíveis abordagens, optámos pelo estudo pluridisciplinar da compilação, incluindo o livro como objecto bibliográfico. Com efeito, paralelamente à revisitação da questão dos ascendentes textuais do texto editado por Valentim Fernandes, no sentido de traçar a genealogia textual da versão portuguesa, um objectivo primordial consistia em fazer a leitura tipográfica da compilação. No entanto, ao observar quer o paratexto editorial que precede a obra poliana, quer os outros dois textos que se lhe seguem, achámos que o primeiro constituía um documento histórico que merecia ser analisado e que os textos dos outros viajantes tinham elementos comuns ao texto principal que interessava destacar. Ou seja, apurámos razões para a reunião dos textos que constituem o impresso de Valentim Fernandes, abordando o significado que este impresso adquire no momento em que é publicado». In O Livro Marco Paulo impresso por Valentim Fernandes, Genealogia textual, Maria Helena Inês Garvão, Tese de Doutouramento em Estudos Literários, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2009.
Com a amizade de PC.
Cortesia de UL, Faculdade de Letras/JDACT