quinta-feira, 26 de maio de 2011

O Mundo na Era da Globalização: Parte III. «A noção de risco, devo acentuar, é inseparável das ideias de probabilidade e de incerteza. O risco refere-se a perigos calculados em função de possibilidades futuras. Só tem uso corrente numa sociedade orientada para o futuro. O risco implica a existência de uma sociedade que tenta activamente desligar-se do passado - na realidade, a primeira característica da civilização industrial da era moderna...»

Cortesia de ordemnocaos

Risco.
«Serão as flutuações de temperatura (cai neve em áreas afectadas por "ondas de calor", neva em zonas onde nunca tinha ocorrido queda de neve) o resultado da interferência do homem com o clima mundial? Não podemos ter a certeza, mas temos de admitir essa possibilidade. Uma das consequências do desenvolvimento industrial global pode ter sido a alteração do clima, que também terá provocado bastantes mais estragos no nosso habitat terrestre. Não sabemos que outras mudanças teremos de suportar, ou os perigos que elas arrastarão consigo.
Podemos compreender estas questões se considerarmos que todas elas envolvem risco. Espero persuadi-los de que esta ideia, simples na aparência, põe a descoberto algumas das características fundamentais do mundo em que estamos a viver. À primeira vista, e quando comparamos a nossa situação com a que se viveu em épocas mais remotas, o conceito de risco pode parecer irrelevante. Ao cabo e ao resto, as pessoas sempre tiveram de enfrentar a sua quota-parte de riscos, não é verdade?

Cortesia de luisaleilamonteiro

Durante a Idade Média a vida da maioria dos europeus era sórdida, rude e breve, como ainda acontece em muitas das zonas mais pobres do mundo actual. Chegados a este ponto, deparamo-nos com algo verdadeiramente interessante. Postos de lado alguns contextos marginais, na Idade Média não existia o conceito de risco. E nunca existiu na maioria das culturas mais tradicionais, tanto quanto me é dado saber. A noção de risco parece ter adquirido expressão durante os séculos XVI e XVII, e começou por ser usada pelos exploradores ocidentais quando partiam para as viagens que os levaram a todas as partes do mundo. A palavra «risco» parece ter chegado ao inglês através do espanhol ou do português, línguas em que era utilizada para caracterizar a navegação em mares ainda desconhecidos, ainda não descritos nas cartas de navegação. Por outras palavras, na origem, a palavra incluía a noção de espaço. Mais tarde, quando usada pelo sistema bancário e em investimentos, passou a incluir a noção de tempo, indispensável para o cálculo das consequências prováveis de determinado investimento, tanto para os credores como para os devedores. Acabou por se referir a uma enorme diversidade de situações onde existe incerteza.

Cortesia de interpsic

A noção de risco, devo acentuar, é inseparável das ideias de probabilidade e de incerteza. Não se pode dizer que alguém enfrenta um risco quando o resultado da acção está totalmente garantido. As culturas tradicionais não dispõem do conceito de risco porque não precisam dele. Risco não é, o mesmo que acaso ou perigo. O risco refere-se a perigos calculados em função de possibilidades futuras. Só tem uso corrente numa sociedade orientada para o futuro, uma sociedade que vê o futuro precisamente como um território a ser conquistado ou colonizado. O risco implica a existência de uma sociedade que tenta activamente desligar-se do passado - na realidade, a primeira característica da civilização industrial da era moderna.
Todas as culturas antigas, incluindo as grandes civilizações da História, como as de Roma ou da China tradicional, viveram, antes de mais, com base no passado. Utilizaram as ideias de destino, ou da vontade dos deuses, em situações que nós agora tendemos a considerar casos de risco. Na cultura tradicional, se alguém sofre um acidente ou, pelo contrário, se alguém prospera, bem, são coisas que acontecem, ou fez-se a vontade de Deus. Houve culturas que negaram pura e simplesmente que o acaso pudesse existir. Os Azande, membros de uma tribo africana, acreditam que qualquer desgraça é sempre o resultado de um bruxedo. Se uma pessoa cai, por exemplo, a queda foi provocada por alguém que lhe fez magia negra». In Anthony Giddens, 1999, O Mundo na Era da Globalização, Editorial Presença, 2ª edição, 2000, ISBN 972-23-2573-6.

Cortesia de Editorial Presença/JDACT