Cortesia de sagradofeminino
«Nos momentos finais do romance, O Código Da Vinci, «estamos a começar a sentir a necessidade de restaurar o sagrado feminino».
Duas ideias parecem reunir a diversidade de soluções apontadas nas discussões sobre o tema. De um lado há indicações de que é preciso restaurar o feminino no sagrado. De outro, de forma mais crítica, há vozes que pleiteiam um outro sagrado, um «sagrado feminino». Do ponto de vista cristão, não há outro sagrado, mas o mesmo anunciado, pregado e vivido, ainda que com a restrição absurda de uma dimensão divina inegável: o feminino. Importa, então, recuperar esta dimensão. Obviamente este processo é conflitivo. Lutamos por não admitir que houve esta parcialidade histórica na mensagem cristã, lutamos por preservar privilégios masculinos, lutamos por negar a verdade. Trabalhamos para ocultar as pegadas da dimensão feminina do sagrado na história da fé cristã. Para tudo isso, a parcialização da mensagem do evangelho foi instrumento. O evangelho, tolhido de sua dimensão feminina, serviu de forma hedionda a esta causa.
Cortesia de sagradofeminino
Entretanto, não é provável que se trate de uma conspiração que resolveremos desvendando enigmas. Uma conspiração termina quando a verdade é finalmente revelada. O que temos é mais do que isso. É algo mais persistente, mais arraigado, mais entranhado em nossas vidas. É algo que resiste à verdade, às evidências, que é refractário a toda a luta por emancipação e libertação do feminino. É certamente algo mais profundo e mais triste. Trata-se de uma terrível verdade humana: a luta marcada por interesses nem sempre conscientes, nem sempre claros. Em tudo isso está a inegável marca da existência humana que, em linguagem cristã, chamamos de pecado. É o pecado que permeia as obscuras relações que historicamente, humanamente, traçamos com o sagrado, tingindo-as com as cores da culpa, do medo, do ódio, da violência, da intolerância, do preconceito, da exclusão, do apego ao poder e aos privilégios, etc.
Cortesia de sagradofeminino
Contudo, o resgate da dimensão feminina do sagrado não pode tornar-se prisioneira de uma teoria conspiratória ou complô. Vale, então, alertar que transformar a causa da dimensão feminina do sagrado numa luta por desvendar uma conspiração é subtrair-lhe o tema, é trair-lhe a causa, transformando-a num jogo pueril de decifrar enigmas. Obviamente há muitos enigmas na história de obscurecimento do feminino levada a cabo no cristianismo, mas a luta feminista não se resume a decifrar estes enigmas num jogo de entretenimento sem quaisquer pretensões maiores do que o divertimento.
As mulheres envolvidas nesta causa não buscam um passatempo substitutivo ao cuidado da casa, da família, dos bordados, etc. É uma causa e não uma ocupação. E esta causa não é das mulheres, mas humana. Seremos e estamos sendo todos e todas engrandecidos/as por ela. É preciso lutar contra tudo que queira tirar-lhe dignidade, ainda que seja um romance que fez com que o tema chegasse à consciência de 20 milhões de leitoras e leitores. Isto equivale a dizer que ao mistério cabe ser e continuar sendo mistério.
Cortesia de sagradofeminino
Mistério desnudado transforma-se em posse humana, pois se esvazia ao nos encher de sabedoria. Cheios de saber e poder cremos ter possuído a verdade. O mistério, o verdadeiro mistério, não é jamais desnudado ou esvaziado. Mistério revela-se! A acção de comunicar-se está nele, não em nós. Mistério revela-se continuamente e permanece Mistério. Há nele algo sobre o mundo e sobre nós que escapa continuamente. O mistério é revelação e, no entanto, é mistério sempre. Esta é a sua verdade! A nossa verdade reside na busca, jamais no descanso satisfeito da resposta encontrada. As verdades circunstancialmente encontradas são traiçoeiras, pois a nossa tentação é ceder ao cansaço ou ao prazer de contemplá-las como se fossem definitivas». In Valério Schaper, Luteranos, o Código, A Jornada Humana em busca do Sagrado.
Cortesia de Luteranos/JDACT