Cortesia de bnp
Ciência na «Aula da Esfera», Segundas Jornadas, hoje dia 27 de Maio de 2011.
BNP, Entrada livre
«Entre 1590 e 1759, a «Aula da Esfera» do colégio de Santo Antão foi a mais importante instituição de ensino e prática das ciências matemáticas em Portugal. Por esta aula do colégio jesuíta de Lisboa passaram eminentes homens de ciência da Europa e aí se treinaram alguns dos mais reputados especialistas técnicos do nosso país. Foi também por esta instituição que entraram em Portugal as mais importantes novidades científicas do período, desde as descobertas telescópicas de Galileu à projecção de Mercator, passando pelos logaritmos e outras técnicas matemáticas avançadas, novos instrumentos, máquinas, novidades astronómicas, etc.
Conhecer o conteúdo e o impacto das actividades desta instituição singular na história científica portuguesa é o objectivo destas Jornadas, agora na sua segunda edição, depois de uma primeira realizada em 2008 no contexto da Exposição:
- «Sphæra Mundi: A Ciência na Aula da Esfera», também com organização conjunta da BNP e do Centro de História da Ciência da Universidade de Lisboa.
Para conhecimento, passo a citar:
Aula da Esfera
«A Arte de Navegar em Portugal começou por se basear em regras essencialmente práticas e empíricas. A formação dos responsáveis pela condução dos navios tinha um carácter eminentemente prático, sendo os conhecimentos necessários transmitidos pelos mais experientes aos “aprendizes” dessa arte. A literatura náutica daquela época, redigida quase exclusivamente por pilotos, é uma prova evidente desse pragmatismo, nela se indicando as regras para condução dos navios, nos mares que os Portugueses mais praticavam.
As bases matemáticas necessárias para a navegação eram bastante rudimentares, não sendo exigidos nenhuns conhecimentos especiais, nem grandes capacidades de cálculo, para levar a efeito as operações aritméticas necessárias para determinar a posição dos navios. Por esse motivo não existia em Portugal, durante o século XV e pelo menos na primeira metade do XVI, qualquer organismo institucional vocacionado para a formação dos pilotos. O “apoio científico” era garantido por astrólogos, que preparavam tabelas, prontas a utilizar, com coordenadas dos astros para serem usadas na determinação da posição dos navios.
Com o passar do tempo, as exigências de precisão, no que respeita ao conhecimento da posição do navio foram aumentando. No final da primeira metade do século XVI, a Coroa decidiu criar uma aula, do Cosmógrafo-mor, que tinha, entre outras incumbências, a de ministrar formação aos futuros pilotos e a outros homens ligados às actividades náuticas, como cartógrafos e fabricantes de instrumentos. Pouco se acerca das actividades deste funcionário régio nos primeiros anos, mas as suas aulas não teriam tido grande afluência, pelo menos durante o século XVI. Situação semelhante se verificou com a cadeira de matemática criada na Universidade de Coimbra.
Cortesia de bibliofototeca
Em 1574, o rei decidiu solicitar ao Jesuítas que instituíssem uma classe, no seu colégio de Santo Antão, em Lisboa, destinada a dar a formação matemática necessária aos homens do mar. Aproveitar-se-ia assim a experiência e a vocação para ensinar que os membros daquela ordem religiosa demonstraram desde a fundação da mesma. As lições aí ministradas ficaram conhecidas pela designação de Aula da Esfera. A origem desta designação está certamente relacionada com os inúmeros “Tratados da Esfera” redigidos na Idade Média, nos quais eram expostas noções de Cosmografia, base dos conhecimentos necessários para a Arte de Navegar.
O objectivo inicial da Aula da Esfera era fornecer as ferramentas técnicas e matemáticas necessárias para os homens do mar. Por esse motivo, o seu ensino era bastante prático, e vocacionado para aquele objectivo concreto, pelo menos nos primeiros tempos do seu funcionamento. Uma característica importante desta aula é o facto de ele se afastar da prática definida para o ensino da matemática nos colégios jesuítas. Essa prática encontrava-se enunciada no Ratio Studiorum, onde se definia o plano estratégico a ser seguido pelos Jesuítas, em termos de ensino.
Cortesia de bnp
Sendo o latim a língua culta da época usada na maioria das aulas ministradas um pouco por toda a Europa, não passou despercebido a um visitante italiano o facto de em Portugal serem dadas lições, na Aula da Esfera, em vernáculo, o que se percebe pelo facto de os alunos serem geralmente pessoas que não dominariam certamente o latim.
Com o passar do tempo, e a modificação de diversos aspectos da vida nacional, a referida aula sofreu também alterações mais ou menos profundas. O programa das aulas era definido pelo professor que as ministrava, razão pela qual se notam modificações nas matérias ensinadas cada vez que o professor mudava. Analisando os diversos sumários, e nalguns casos apontamentos das próprias aulas, que chegaram até aos nossos dias, notamos uma tendência para um ensino cada vez mais teórico, afastando-se portanto do seu objectivo inicial, que era o de dar formação de índole prática.
Cortesia de icamoes
O interesse pela Arte de Navegar foi sendo cada vez menor, mantendo-se no entanto, o interesse pela cosmografia e pelo uso de globos. Nota-se por vezes, que os professores analisam os problemas que interessavam aos homens do mar, mas dum ponto de vista bastante teórico, propondo soluções sem qualquer interesse prático. Também o ensino da Geografia, que na época era conhecida como Hidrografia, foi desaparecendo, a pouco e pouco, das aulas.
Após a Restauração da Independência, em 1640, os programas da Aula da Esfera sofreram alterações significativas de forma a melhor servirem as necessidades que o país conhecia. Vivendo‑se então uma situação de confronto militar eminente com Castela era premente a construção de fortificações militares, especialmente nas regiões de fronteira.
Matérias como a Aritmética e a Geometria passaram a ser ensinadas na segunda metade do século XVII, fornecendo assim as bases essenciais para aqueles que mais tarde viriam a ser engenheiros militares. A inclusão no curso, por ordem régia, de lições de Arquitectura, é mais uma prova evidente da importância que na época se dava à formação de homens habilitados a construir e reparar fortificações.
Cortesia de bnp
Cortesia da BN de Portugal/Instituto Camões/JDACT
Muitos dos professores que ensinaram na Aula da Esfera eram estrangeiros. A insuficiência de pessoal qualificado, em Portugal, para ministrar essas matérias é uma das explicações para esse fenómeno. Por outro lado, muitas das actividades de missionação da Companhia de Jesus ocorreram no Oriente. Na China essa missionação concretizou-se através de uma actividade científica intensa por parte dos padres jesuítas, que resolveram muitos dos problemas de ordem prática que os Chineses lhes colocaram. Sendo Lisboa a via pela qual esses cientistas chegavam ao Oriente, e pertencendo aqueles territórios à Província portuguesa da Companhia compreende-se facilmente que muitos desses estrangeiros destinados ao Oriente cá ensinassem, enquanto aguardavam a partida, ou quando de lá regressavam.
Embora possam ser apontadas inúmeras lacunas nas lições apresentadas na Aula da Esfera importa destacar o facto de esta ter sido o único local onde em Portugal se ensinou regularmente Matemática, numa época em que a cadeira universitária dessa disciplina não tinha praticamente nenhuns alunos. Além disso, devido ao facto de muitos dos seus professores serem estrangeiros, que tinham contactado com realidades diferentes da portuguesa, a Aula da Esfera foi a via de entrada de muitas das novidades científicas que iam surgindo um pouco por toda a Europa». In António Costa Canas, Instituto Camões.
Cortesia da BN de Portugal/Instituto Camões/JDACT