(1908-1973)
Valparaíso, Chile
Cortesia de waldemarneto
«Já estamos no verão chileno de 1970, em finais de Janeiro. Aos 61 anos, Salvador Allende inicia a sua 4ª campanha eleitoral para a presidência do Chile. Víamo-lo contente, estreitando mãos, abraçando gente, fazendo longos discursos para explicar o seu projecto político. Era incansável. Dormitava por breves momentos no automóvel, no comboio ou no avião e chegava às concentrações fresco como uma alface recém-colhida.
Nesse aspecto chegava a ser insuportável, deitasse-se tarde ou cedo, levantava-se sempre de madrugada e começava a trabalhar como se aquele fosse o último dia. Nas suas campanhas eleitorais nunca houve ninguém que aguentasse o seu ritmo de trabalho. E os que tentaram desistiram a meio caminho – recorda o jornalista Carlos Jorquera, seu secretário para a imprensa. «Venceremos, venceremos, mil correntes teremos que quebrar» era a frase-chave do seu hino eleitoral que milhares de gargantas entoavam em coro, em grandes e pequenas praças. Allende tinha uma grande facilidade de comunicação com as massas. Já a comunicação directa com ele não era tão fácil como a que tinha com as massas. Era-lhe mais fácil explicar uma coisa a dez mil pessoas do que a uma só, recordou Osvaldo Puccio, seu secretário privado.
Cortesia de glnning
Era como se o Chile inteiro, incluindo as crianças, estivesse mobilizado para a campanha eleitoral. Por Allende, por Tomic, pelo ex-presidente direitista Jorge Alessandri. Os comícios nas praças e as marchas pelas ruas eram festas colectivas, em que as pessoas saltavam, gritavam, erguiam bandeiras e cartazes sem qualquer receio pela sua segurança pessoal. Era, parecia ser, um país sem medo. Não se registavam agressões entre partidários dos diferentes candidatos e todos se sentiam com o direito de se manifestarem em público com alegria. Assim começou o ano de1970.
Mas esse mesmo povo fervoroso nada sabia do que estava a passar-se em Washington. Ali, quase todas as análises dos serviços secretos apontavam na mesma direcção: de nada servia apoiar economicamente a campanha do candidato da direita Alessandri. Parecia-lhes inútil. E era tamanha a força eleitoral da esquerda, incluindo a dos progressistas da democracia cristã que iriam votar em Tomic, que não restava outro caminho senão a sabotagem. Diagnóstico semelhante era o do poderoso chileno Agustín Edwards, dono do império jornalístico de El Mercurio. E fê-lo saber ao seu grande amigo David Rockefeller, em Março de 1970. Assim consta nas Memoírs escritas depois pelo magnata norte americano: «o meu amigo Agustín Doonie Edwards» disse-me que, se ganhasse Allende, «o Chile transformar-se-ia noutra Cuba, num satélite da União Soviética». Por isso, continua, «insistiu em que os Estados Unidos tinham de impedir a eleição de Allende. E a preocupação de Doonie era tão grande que o pus em contacto com Kissinger».
Cortesia de bbcco
Assim, em 25 de Março de 1970, reuniu-se em Washington o Comité 40 que aprovou uma primeira prestação de 125 mil dólares para financiar «operações de sabotagem» contra Allende. A acta da reunião regista que o subsecretário de Estado Alexis Johnson não esteve de acordo e anunciou que «se distanciava da operação». O seu ponto de vista era consequente com a posição do Departamento de Estado nos meses anteriores, posição que o relatório da Comissão Church resume assim: «um triunfo de Allende não era o mesmo que um triunfo comunista».
No entanto, esta análise mais séria da chancelaria dos USA nada pôde contra o preconceito grosseiro e primário da CIA, do Pentágono e mesmo da Casa Branca. um preconceito que o relatório ao senado resumiu pelas palavras do então embaixador dos Estados Unidos, Edward Korry:
- «Um governo de Allende seria pior do que um governo de Castro».
Essa foi a primeira das «acções encobertas» de sabotagem que o Comité 40 aprovou para o Chile entre 1970 e 1973! Acções que tiveram um orçamento de quase nove milhões de dólares e que puseram em marcha o novo plano de intervenção no Chile». In Patrícia Verdugo, Salvador Allende, O Crime da Casa Branca, Campo das Letras, 1ª edição, Setembro 2005, ISBN 972-610-971-X.
Cortesia de Campo das Letras/JDACT