terça-feira, 10 de maio de 2011

Tim Flannery. O Clima está nas Nossas Mãos: «A parte El Niño do ciclo começa com um despertar de ventos tropicais, permitindo que a superfície tépida da água flua novamente para Oriente, subjugando a fria «Corrente Humboldt» e libertando humidade para a atmosfera. À medida que os gases com efeito de estufa aumentam na atmosfera, começaremos a viver condições do tipo El Niño com mais frequência»



Cortesia de southwestclimatechange


Portões mágicos, El Niño e La Niña
«O efeito do aquecimento global no clima da Terra é um pouco como colocar um dedo em cima de um interruptor de luz. Por um momento nada acontece mas, se aumentarmos a pressão, há um ponto em que subitamente algo muda e num estalido dá-se a passagem de um estado a outro.
A climatologista Julia Cole refere-se aos saltos do clima como «portões mágicos» e defende que, desde que as temperaturas começaram rapidamente a subir na década de 1970, o nosso planeta testemunhou dois desses acontecimentos, em 1976 e em 1998.

Em 1998, surgiu uma ligação do portão mágico ao ciclo El Niño-La Niña, um ciclo com a duração de 2 a 8 anos e que traz consigo eventos climáticos extremos à maior parte do mundo. O nome El Niño, que em castelhano se refere «a Cristo criança», foi inventado por pescadores peruanos que se aperceberam de uma corrente tépida que com frequência se fazia sentir nas suas zonas de pesca na altura do Natal. La Niña significa a menina e refere-se a um período de arrefecimento no oceano ao largo da América do Sul.



Cortesia de wikipedia
Durante a fase de La Niña, os ventos sopram na direcção do Ocidente atravessando o Pacífico, empurrando a superfície morna da água em direcção à costa australiana e às ilhas a norte desta. Com as águas tépidas levadas para Ocidente, a fria «Corrente Humboldt» pode emergir percorrendo a costa do Pacífico da América do Sul, transportando consigo nutrientes que alimentam a pescaria mais prolífera no mundo, a anchoveta.

A parte El Niño do ciclo começa com um despertar de ventos tropicais, permitindo que a superfície tépida da água flua novamente para Oriente, subjugando a «Humboldt» e libertando humidade para a atmosfera, o que leva a que os habitualmente áridos desertos peruanos fiquem alagados. A água mais fria emerge agora no distante Pacífico ocidental. Ela não se evapora tão prontamente como a água tépida, portanto a seca atinge a Austrália e o Sueste Asiático.
Quando um El Niño é suficientemente intenso, pode devastar dois terços do planeta com secas, inundações e outros fenómenos climáticos extremos.




Cortesia de wikipedia
O ano El Nino de 1997-98 foi baptizado pelo Fundo Mundial para a Natureza, actual WWF, como «o ano em que o mundo se incendiou». A seca dominou uma grande parte do planeta. Em todos os continentes lavraram incêndios, mas foi nas normalmente húmidas florestas tropicais do Sueste Asiático que os mesmos atingiram o seu auge. Aí, 10 milhões de hectares arderam, dos quais metade eram floresta tropical antiga. Na ilha do Bornéu, perderam-se 5 milhões de hectares, uma área quase do tamanho da Holanda.
Muitas das florestas ardidas nunca recuperarão dentro de uma escala de tempo significativa para os seres humanos. E provável que o impacto na fauna única do Bornéu nunca venha a ser totalmente conhecido.

À medida que os gases com efeito de estufa aumentam na atmosfera, começaremos a viver condições do tipo El Niño com mais frequência.
Eventos do tipo El Niño severo podem alterar permanentemente o clima. O evento de 1998 libertou energia térmica suficiente para fazer subir a temperatura global em cerca de 0,3ºC. Desde então, as águas da zona central do Pacífico Ocidental atingiram com frequência os 30ºC, enquanto o «jet stream» se desviou para o Pólo Norte. O novo regime climático também parece tender a produzir mais El Niños extremos. Os investigadores que pretendem documentar a resposta da natureza às alterações do clima recorrem muitas vezes aos apontamentos tirados por observadores de pássaros, pescadores e outros observadores da natureza.

Cortesia de severewx.atmos
Alguns desses registos são muito extensos. Uma família inglesa registou a data em que ouviu os primeiros coaxares de rãs e sapos na sua propriedade, todos os anos entre 1736 e 1947. Antes de 1950 existe pouca evidência de qualquer tendência nestes registos mas, ao longo dos últimos 55 anos, emergiu um padrão muito forte em todo o planeta. As espécies mudaram-se para mais perto dos pólos, a uma média de cerca de seis quilómetros por década. Recuaram para as encostas de montanhas a uma média de 6,1 metros por década. Similarmente, a actividade de Primavera adiantou-se em cerca de 2,3 dias por década». In Tim Flannery, O Clima está nas Nossas Mãos, História do Aquecimento Global, Oficina do Livro-Estrela Polar, 2008, ISBN 978-972-8920-93-0.

Cortesia de Oficina do Livro/JDACT