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Ribeira das Naus
«Ribeira das Naus, ou simplesmente Ribeira, é a designação que, em finais do século XV, os portugueses passam a utilizar para se referirem aos estaleiros de construção naval, substituindo o termo medieval «Tercenas». A expressão deriva, naturalmente, das zonas marginais, ribeirinhas, onde os estaleiros estavam implantados.
Em Portugal e nos seus domínios ultramarinos existiram, ao longo dos tempos, dezenas de estaleiros com alguma importância. Uns associados à iniciativa privada, quer em termos de produção, quer em termos de encomendas, e outros controlados pela Coroa, vocacionados para a satisfação das encomendas da marinha real. Dada a largueza do assunto, este artigo ocupa-se das mais importantes ribeiras da Coroa no século XVI:
- Lisboa,
- Cochim,
- Goa.
A nova ribeira das naus de Lisboa nasce da decisão tomada em 1498, por D. Manuel, de construir na zona da Ribeira um novo palácio. O Paço da Ribeira, como ficará conhecido, ocuparia a zona onde se erguiam as antigas tercenas, obrigando à deslocação do estaleiro para a zona contígua a ocidente do Palácio.
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Este arranjo foi particularmente importante para o desempenho daquele que durante séculos seria o mais importante dos estaleiros portugueses. O novo estaleiro era muito maior e o local era sem dúvida mais funcional. Igualmente importante foi o facto de em toda a zona anexa, e nalguns casos dentro do complexo palaciano, serem instalados em novos edifícios todos os organismos relativos à administração e logística naval, com as excepções da tercena (fundição de artilharia) de Cata-Que-Farás e os fornos de biscoito de Vale de Zebro e da Porta da Cruz. Esta concentração dos recursos e dos equipamentos, moderna, seria doravante uma marca dos complexos portugueses, fazendo deles autênticos arsenais. Semelhante disposição encontraremos em Cochim e Goa. Um novo conjunto de obras arrancaria em 1513 aumentando o complexo com um novo armazém das armas, com um novo edifício para a alfândega e com a nova tercena da Porta da Cruz (na zona onde hoje está o Museu Militar) que só seria concluída no reinado seguinte. No âmbito deste novo «programa» executaram-se ainda obras de melhoramento nos armazéns da Guiné e Índia, nas casas de Índia e Ceuta e na Ribeira das Naus. Uma provisão de 1515 fez reservar a Praia da Boavista para espalmar e reparar navios.
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A Ribeira das Naus de Lisboa estava integrada no grande complexo dos Armazéns de Guiné e Índia estando dependente do seu provedor. Note-se que a decisão de construir um novo navio pertencia no reino aos responsáveis políticos e no Oriente, por delegação destes, no governador da Índia. Nos casos dos estaleiros orientais as responsabilidades executivas, ao nível das do provedor, encontravam-se também nas mãos do governador, apesar da Coroa ter tentado, a partir do início da década de vinte, passar o encargo para os vedores da fazenda da Índia. Dada a dispersão das posições portuguesas e a grande procura de navios, não é de espantar que em muitos pontos se construíssem navios para el-rei por ordem dos capitães das fortalezas e nalguns casos dos capitães-mores do mar; situação que era permitida e encorajada pelo governo.
No campo dos oficiais técnicos os mais importantes eram o patrão-mor e o mestre dos carpinteiros. O patrão-mor era em primeiro lugar o patrão do bergantim real, mas no contexto da ribeira competia-lhe a verificação da segurança e das faltas de material e sobressalentes dos navios prestes a zarpar; a repartição de pessoal e os agasalhados a bordo dos mesmos, sendo também responsável por todas as operações de saída e entrada no porto, tendo sob a sua tutela o piloto-mor e os pilotos da barra. A seu cargo estavam todos os navios invernados e todas as operações de querena, lançamento à água, aparelhamento e deslocação de navios dentro do porto. Competia-lhe ainda, juntamente com o mestre dos carpinteiros, a arqueação e a avaliação dos navios em cuja compra a Coroa se mostrasse interessada. O patrão-mor era ainda responsável pela colocação a bordo dos oficiais das naus da Índia e dos navios de armada e, juntamente com os mestres, pelo desempenho dos trabalhadores da ribeira. Para além do mestre dos carpinteiros, contavam-se ainda os mestres dos calafates, dos mastros, da cordoaria, da ferraria, dos lemes e das velas e sob a sua intendência laborava na ribeira uma pequena multidão de oficiais e auxiliares. Nos picos de laboração entravam no estaleiro mestres e oficiais temporários que eram atribuídos a obras específicas, sempre sob a tutela do mestre efectivo.
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Cochim foi a mais antiga ribeira portuguesa no Oriente, pelas razões conjugadas de ser o principal porto de especiaria do Malabar, de ser em si um porto com excepcionais condições e pela aliança firmada com o rajá local em Dezembro de 1500. Desde essa data, eram reparados em Cochim os navios chegados de Portugal. Após 1505 construiu-se junto à fortaleza um estaleiro que apesar de laborar em condições de grande penúria foi capaz de apoiar com sucesso os muitos navios da Carreira e da Armada da Índia que nesses anos circulavam no Índico. Cochim foi durante largo tempo a base principal dos portugueses e a ribeira tornou-se num complexo de grandes dimensões. A cidade era um protectorado e por isso, lentamente, foi sendo substituída como capital política e militar por Goa que era um território conquistado.
Goa tinha já um grande estaleiro quando foi conquistada em 1510 e os portugueses não perderam tempo a reactivá-lo e aumentá-lo. Seria com o tempo um dos mais importantes estaleiros do mundo, embora o porto não fosse comparável ao de Cochim. A ribeira de Goa era um grande recinto muralhado onde estavam instaladas em complexo todos os organismos subsidiários, à imagem de Lisboa. As ribeiras orientais tinham a cargo a reparação dos navios da Carreira e da Armada da Índia e a construção dos navios que deviam servir nesta última. Notemos que a Armada da Índia chegou a ser constituída por cerca de trezentos navios o que nos pode dar uma ideia da capacidade de produção destas estruturas.
A organização dos estaleiros era decalcada da ribeira de Lisboa, embora o facto de se empregarem os oficiais da terra e grande número de trabalhadores locais explique a existência de cargos como o tandel (patrão-mor) ou o mocadão (patrão da lancha)». In José Virgílio Amaro Pissarra, Instituto Camões.
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