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Que rapariga sem consideração. Eu vim cá para descansar, lembras-te? Preguiçoso.
Nunca vais conseguir colocar o próximo ramo familiar na tua árvore genealógica
se não mostrares um pouco mais de empenho. A paixão de Frank por genealogia era
outra razão para termos escolhido as Terras Altas. Segundo um dos encardidos
pedaços de papel que ele transportava de um lado para o outro, um antepassado
seu tivera alguma coisa a ver com os acontecimentos naquela região em meados do
século XVIII, ou seria século XVII? Se eu acabar como um tronco sem
descendentes na minha árvore genealógica, sem dúvida será por culpa da nossa
incansável anfitriã lá fora. Afinal, estamos casados há quase oito anos. O
pequeno Frank Jr. será perfeitamente legítimo sem precisar de ser concebido na
presença de uma testemunha. Se vier a ser concebido, disse eu, pessimista.
Ficáramos decepcionados mais uma vez na semana anterior à partida para nosso
retiro nas Terras Altas. Com todo este revigorante ar puro e esta comida
saudável? Como poderíamos falhar aqui? O jantar na noite anterior fora arenque,
frito. O almoço fora arenque, em conserva. E o cheiro penetrante que agora
subia pelo vão da escada sugeria com elevado grau de certeza que o
pequeno-almoço deveria ser arenque fumado. A menos que estejas a pensar em mais
uma edificante performance para a
senhora Baird, sugeri, é melhor vestires-te. Não vais encontrar-te com aquele
pastor às dez? O reverendo Reginald Wakefield. o vigário da paróquia local,
iria fornecer algumas fascinantes certidões de baptismo para inspecção de
Frank, já para não falar na esfuziante perspectiva de que pudesse ter
desenterrado alguns despachos bolorentos do exército ou algo parecido que
mencionassem o famoso antepassado. Como se chama afinal aquele avô do teu
tetravô?, perguntei. Aquele que andou a fazer disparates por aqui durante uma
das rebeliões? Não consigo lembrar-me se era Willy ou Walter. Na verdade, era
Jonathan.
Frank
aceitava placidamente o meu total desinteresse pela sua história familiar, mas
permanecia sempre alerta, pronto para aproveitar a menor expressão de
curiosidade como desculpa para me contar todos os factos conhecidos até à presente
data sobre os antigos Randall e as suas ligações. Os seus olhos assumiram o
brilho febril do professor fanático enquanto abotoava a camisa. Jonathan
Wolverton Randall. Wolverton pelo tio da mãe, um cavaleiro insignificante de
Sussex. Era, no entanto, conhecido pela alcunha um tanto arrojada de Black
Jack que adquiriu no exército, provavelmente durante a época em que esteve
aqui colocado. Deixei-me cair na cama com o rosto enfiado na almofada. fingindo
ressonar. Ignorando-me, Frank continuou com a sua exegese erudita. Ele recebeu
a patente de oficial em meados dos anos trinta, isto é, em meados de mil
setecentos e trinta, e foi capitão dos dragões. Segundo aquelas cartas antigas
que a prima May me enviou, ele saiu-se muito bem no exército. Uma boa escolha
para um segundo filho, como sabes; o irmão mais novo também seguiu a tradição
tornando-se cura, mas ainda não encontrei muita coisa sobre ele. De qualquer
modo, Jack Randall foi altamente elogiado pelo duque de Sandringham pelas suas
actividades antes e durante a Conspiração Jacobita de mil setecentos e quarenta
e cinco, a segunda, como sabes especificou, em proveito dos ignorantes na
plateia, isto é, eu. Com o Bonnie Prince Charlie (Charles Edward Stuart,
pretendente ao trono de Inglaterra, Escócia e Irlanda) e toda aquela gente.
Não sei
bem se os escoceses acham que perderam essa, interrompi, sentando-me e tentando
domesticar o cabelo. Ouvi perfeitamente o empregado daquele pub ontem à noite referir-se a nós como sassenachs.
Bem, porque não?, retorquiu Frank tranquilamente. Afinal, significa apenas ingleses
ou, na pior das hipóteses, forasteiros, e nós somos tudo isso. Sei o que
significa. Foi o tom com que ele falou que me incomodou. Frank procurou um
cinto na gaveta da cómoda. Ele só estava zangado porque eu disse que a cerveja
era aguada. Disse-lhe que a verdadeira cerveja das Terras Altas exige que uma
bota velha seja acrescentada ao tonel e que o produto final seja coado através
de umas cuecas usadas. Ah, isso explica o total da conta. Bem, eu disse-o com
um pouco mais de tacto, mas só porque a língua gaélica não possui uma palavra
específica para cuecas. Peguei nas minhas próprias cuecas, intrigada. Porque não?
Os antigos celtas da Escócia não usavam roupa interior? Frank lançou-me um olhar
malicioso. Nunca ouviste aquela velha canção sobre o que os escoceses usam por baixo
do hilt? Provavelmente não aqueles
elegantes calções até aos joelhos, observei secamente. Enquanto estiveres a
brincar com vigários, talvez eu vá à procura de um nativo de hilt e lhe pergunte. Bem, tenta não
seres presa, Claire. O reitor do Saint Giles College não iria gostar nada». In
Diana Gabaldon, Nas Asas do Tempo, 1991, Casa das Letras, LeYa, 2010, 2016, ISBN
978-972-461-974-3.
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